Meus papéis de trouxa
Hoje resolvi mudar o tom. Sem reclamações por hoje. Achei que deveria compartilhar uma memória de quando era adolescente, que, para muitos, será totalmente irrelevante. Mas pra mim, significa muito. É nela que baseio uma teoria muito interessante: Nós amamos quem não nos ama. E vice-versa. Triste realidade, totalmente fundável, que vim a conhecer na sexta série.
Naquele ano conheci uma garota. Angélica, que além do nome, tinha rosto e jeito de anjo. Ah, ela era linda. O corpo tinha umas curvas, digamos, cheinhas, mas nem tanto, o que a tornava uma garota com um corpo muito sedutor para sua idade. Tínhamos uns doze ou treze anos, mas ela era um ano mais velha e seu jeito meigo cativou-me a tal ponto que, antes mesmo da metade do ano, eu já arrastava os quatro pneus por ela.
Mas para que toda história adolescente não seja um conto de fadas, porque, afinal de contas, adolescente sem sofrer não é adolescente, e como eu não era nenhum Brad Pitt, lógico, eu pensava que não poderia tê-la só para mim. É a tal da baixa estima. Coisa difícil. Mesmo assim, depois de muito treinar meu discurso, combinei de encontrá-la no intervalo.
Chegando o grande momento eu, um simples garoto magrelo, vi minhas mãos tremerem sem sequer pedirem-me permissão. Minha testa trazia gotas e mais gotas de um suor gelado. Arrisquei algumas palavras tortas, que, aos poucos, se endireitavam, e, enfim, veio o "eu gosto de ti". A menina olhou-me com uma cara de espanto, mas no fim, disse que já sabia. Aliás, esse defeito nunca perdi, quando gosto de alguém, fica nítido. Às vezes tão nítido que, acabo sendo o último a saber.
Mesmo sabendo, a menina anjo veio logo a dizer que achava legal o que eu sentia, mas, aparentemente, não era recíproco. Deveríamos ser apenas amigos. Naquele momento, mesmo com a tristeza de um coração partido, enxerguei ali um jeito de manter-me próximo à ela. "Tudo bem", disse eu, mas, eu queria mesmo ir além da amizade.
E nessa expectativa fui levado a crer que, até o final do ano, eu iria ter minha chance. Com o passar do tempo, percebi que era em vão. Ela gostava de um outro rapaz. Um skatista, e os skatistas, as garotas adoram. Não tinha chance contra um cara daqueles. Daí veio o último dia de aula.
Alguns colegas jogavam bexigas de água uns nos outros, e, eu e ela, sentamos nas escadas em frente ao pátio da escola. Daí, inusitadamente, ela veio a me perguntar se eu ainda gostava dela. Naquele momento, por ironia do destino, avistei o skatista e fui levado a dizer: " Não, está tudo bem".
Ah, como se fosse verdade. Mas a menina sorriu e, ao levantar-se, disse-me: " Que pena, porque eu acho que estava gostando de ti".
Aquilo me sacudiu mais que as paredes dos prédios de Tóquio, durante um de seus corriqueiros terremotos. Como assim gostava de mim? Não fazia sentido. Depois de tudo aquilo, depois de todo o ano, quando digo que não gosto, ela gosta? É a triste realidade meus caros, quando você gosta de alguém e demonstra, prepare-se para ser rejeitado. A menina foi embora. O ano terminou e nós nunca mais nos vimos.
Às vezes tenho certa curiosidade, e me vem a pergunta: Por onde anda o anjo da sexta série? Teria ela voado enfim para algum skatista bonitão? Não sei. A única coisa certa que aprendi é que minha vida amorosa, amigos, é tão deprimente, que penso ser de proposito, somente para ter conteúdo e escrever. Triste. Será que a vida normal não garante boas histórias? Será que apaixonar-me, casar-me, e viver uma vida tranquila na fazenda não renderia tanto quanto essas pequenas e irônicas decepções? Que coisa maluca isso que chamam de vida. Talvez um dia eu troque todos os contos, poesias e histórias mal contadas, por uma vida amorosa tranquila. E até lá, usando-me da internet, ainda terei muito espaço para escrever nos papéis de trouxa que irei fazer.