O sol declina.
A esplanada da praça vai ficando deserta.
Um pássaro vem surgindo, cada vez mais baixo, e queda-se no chão de cimento.
Mira tudo com assombro.
Fica quieto, meio agachado, as asas entreabertas tremendo.
A pouco e pouco, aquieta-se e, com o bico imenso em relação ao seu tamanho, começa a desfiar as penas ainda ralas.
Um copo de papel rebola, levado na brisa.
Ele agacha-se mais ainda, encolhe o pescoço frágil e quase nu.
Tudo lhe é ainda estranho: a música de fundo, o bater da loiça, o vaivém das pessoas, as crianças correndo.
Aninha-se mais ainda. As pálpebras cobrem-lhe as pupilas, como se nada mais lhe importasse do que descansar de tamanha aventura.
Adormece, o corpo palpita, cai-lhe a cabecita e sonha… com asas maternas que o cubram, com o papo da mãe vertendo alimento no seu bico.
Um súbito barulho desperta-o em alvoroço.
À sua volta, dezenas de pombos rebuscam tudo, debicam das mesas, do chão, das mãos das pessoas, pedacinhos de comida.
Fazem parte da praça, do ambiente, da cidade, nada os assusta nem afasta.
Às vezes um ou outro aparece desfeito sob as rodas de um carro.
Reproduzem-se em todo o lado.
As janelas ostentam bandeiras de plástico esfarrapado, nas casas onde as damas se negam a lavar com escova e sabão o mármore dos peitoris.
A noite vai caindo e esfriando.
O pombinho, muito encolhido, volta a fechar os olhos, a encolher o pescoço, escondendo o bico sobre o papo vazio.
Onde achará coragem para levantar voo?
Como o encontrará o sol da manhã na enorme praça onde os sem abrigo vão chegando, com as suas camas de cartão e os seus olhos vagos?