O homem invisível
Como todo garoto do nosso tempo, adorávamos histórias em quadrinhos. Fazíamos coleção e trocávamos na porta do cinema, nas matines de domingo. No início foram os faroestes (Flecha Ligeira, Zorro), depois vieram alguns heróis (Tarzan, Mandrake, Fantasma) e por último os super-heróis (capitão Marvel, Super-Homem, legião dos super-heróis).
Qual criança então não sonhou em possuir alguns poderes? Voar, visão de raio X, essa era ótima, poder ver através das paredes, mas o melhor de todos sem sombra de dúvidas era a invisibilidade. Ficar invisível e sair por ai, sem que ninguém nos visse. Deveria ser o supra sumo dos poderes mágicos.
Alguém já disse, cuidado com seus desejos, pois eles podem se tornar realidade. Enfim, a vida continua. Brinquei, cresci, estudei, cheguei a faculdade, mais estudos, as brincadeiras agora são diferentes. Tive namoradas e casei. E uma das maiores felicidades vieram, os filhos. Pequenos seres que enchem nossa casa, e nossas vidas, de luz e alegria. Eles crescem, começam a andar, falar. Essa é uma época maravilhosa, para tudo eles recorrem a nós. Nós somos os heróis, sabemos tudo. Infelizmente o tempo não para. Inexorável, nos carrega em turbilhões não nos dando a mínima chance de controlar sequer nossa vida. A vida, extremamente mutável, nos impede quando tentamos capturar períodos de felicidade, modificando o universo, segundo a segundo, numa dinâmica incompreensível.
Passamos para fase adulta, época de labor e prestígio. Embora o excesso do primeiro não nos permita aproveitar o segundo. Também isso faz parte dessa jornada fantástica. Finalmente chegamos a velhice, a tão falada terceira idade ou como desejam alguns, a melhor idade, que pouca coisa de melhor nos reserva.
Duas regalias a vetustez nos presenteia. A primeira é a perda da vergonha. Deixamos de nos envergonhar com coisas estupidas e pequenas para então, atrasados, aproveitarmos um pouco mais da vida. Ah, se reconhecêssemos o valor real das coisas aos 18 anos. A segunda é a possibilidade de fazer coisas que desejávamos e não podíamos na infância, porque não tínhamos dinheiro ou idade. Mas com o passar continuo desse algoz, o tempo, um terceiro evento ocorre. A realização do nosso grande sonho de criança. Adquirir um super poder. As pessoas desviam de nós pelas ruas, como se fossemos postes andantes. Não somos produtivos, não existimos. Se entramos numa sala, em uma reunião familiar, não somos mais notados. Quando em um debate exprimimos nossa opinião, outrora tão respeitada, a voz hoje é um murmúrio, como o vento nas árvores. Ninguém escuta realmente, no máximo um olhar espantado procurando o som estranho. Finalmente conseguimos a invisibilidade.