Acordei de madrugada, como quase todas as noites. Levantei-me, fui ao banheiro, depois à cozinha, pegar um copo d’água. A porta estava aberta, descuido, é claro. Ela estava lá, pensativa, sem saber se queria falar comigo ou ignorar-me. Tenho a impressão de que ela estava vindo todas as noites, mas não tinha coragem de sair da cozinha. Alguns gostam desse lugar, aconchegante, sempre com cheiro de comida. Talvez o calor seja um dos fatores que favorecem o local. Confesso que aquela presença me incomodava. O meu lado mau me dizia para mandá-la embora, afinal ali não era sua casa. Mas, como todo mundo, tenho um lado bom também. Um lado mãe e pensei: talvez ela tenha filhos que não se incomodam com ela, ou talvez tenha filhos pequenos que ainda necessitam seus cuidados. De repente ela se encaminhou na minha direção. Pedi perdão a Deus e dei-lhe uma chinelada certeira. Espero que os filhos e o marido não venham me pedir indenização pela morte daquela barata. Agora vivo com um drama de consciência. Afinal ela não tinha culpa de ter nascido barata. Será que seria melhor ter nascido corrupta? Sinceramente não sei.