Nossa Senhora do Desterro do Desemboque
 
Luiz Carlos Pais
 

A história do distrito de Desemboque, vinculado ao atual município de Sacramento, MG, permite retornar ao Triângulo do Ouro. Região que protagonizou o primeiro ciclo econômico do Sudoeste Mineiro e abriu caminho para a conquista do centro-oeste no início do século XVIII. São anotações que esboçam as raízes históricas da região e permitem identificar o domínio geográfico delimitado por Jacuí, Piumhi e Desemboque. Berço da conquista dos sertões que outrora pertenceram à antiga capitania de São Paulo e deram origem a quatro dezenas de cidades das atuais microrregiões mineiras de Passos, São Sebastião do Paraíso e Piumhi.
 
O ano de 1743 é um marco relevante para história, pois sinaliza a edificação da Matriz de Nossa Senhora do Desterro de Desemboque, no auge da exploração do ouro. Obra arquitetônica que constitui patrimônio religioso cultural de Minas. Ainda preservada, assim como Sacramento, conhecida como terra natal do conhecido ator Lima Duarte e também como berço de difusão do culto religioso do espiritismo, Desemboque é ponto obrigatório de visitação dos turistas que querem conhecer a região vizinha à Serra da Canastra. É oportuno lembrar que no início do século XX, o educador Eurípedes Barsanulfo fundou em Sacramento, o Colégio Alan Kardec, pioneiro na difusão de pedagogia espírita para jovens das classes populares.
 
A fama histórica do Desemboque começou a crescer nos meados do século XVIII. Passagem obrigatória no caminho dos exploradores para alcançar, a partir da região central de Minas Gerais, os chamados Sertões da Farinha Podre, que se constituiu no atual Triângulo Mineiro. Nos documentos mais antigos consta que o Desemboque era passagem obrigatória para alcançar os sertões de Goiás ou rota alternativa para Cuiabá. Ainda quanto às fontes da história, mas já no início do século XIX, há notícias de 1816 da descoberta de águas minerais na região. Oriundas das mesmas reservas subterrâneas das famosas águas de Araxá, em Minas e próximo ao Desemboque. Nessa mesma época foi divulgada notícia da existência de águas termais numa localidade próxima a Jacuí e que veio constituir a Estância Balneária de Termópolis.
 
Mais especificamente, como noticiou a Gazeta do Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1816, um engenheiro militar contratado pela corte havia encontrado águas minerais no Desemboque. O coronel alemão Ludwig Von Eschwege, conhecido na história como Barão de Eschwege, estava prestando serviços ao Real Corpo de Engenheiros. Foi no exercício dessas funções que ele elaborou relatórios enviados às autoridades portuguesas, com dados da capitania de Minas Gerais, onde estavam sendo definidas áreas para a exploração de jazidas de ferro.
 
Conforme o referido relatório, em muitos lugares do Desemboque, havia fontes de águas, que os fazendeiros chamavam de bebedouros, onde levavam seus rebanhos, duas vezes por mês, para engordar os animais. Prática que dispensava o fornecimento de sal mineral ao rebanho. São sinais de expansão da exploração pecuária que viria constituir o segundo ciclo econômico da região. As fontes existentes nasciam entre camadas de pedras sobrepostas e de aspectos ferruginoso. As águas tinham cheiro e gosto hepático, com certo tom picante, que deixavam um sabor amargo, indicadas para banhos no tratamento de sarna, lepra e papos.

Esse era o cenário de exploração mineral alguns anos antes da fundação da primeira Capela, em 1821, em torno da qual seria construída São Sebastião do Paraíso, por onde passavam trilhas de transporte, em lombo de mulas, do ouro garimpado no Desemboque para a casa de fundição de Jacuí, onde os fiscais da corte cobrança o imposto dos quintos, correspondente à quinta parte do ouro processado. O Triângulo do Ouro começou a atrair exploradores e fazendeiros em busca de novas terras para abertura de fazendas. Foi nesse contexto que o Desemboque foi uma das localidades mais importantes para o povoamento do Sudoeste Mineiro e do Triângulo Mineiro.
 
Como agradecimento pela riqueza conquistada os primeiros exploradores doavam recursos para construção de diversas capelas na região, incluindo a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro, embora simples, mas de estilo arquitetônico diferenciado e pioneiro nesse canto de Minas. Essa igreja foi construída na parte mais baixa do povoado, cercada por um muro de pedra ainda preservado nos dia de hoje, contendo pia batismal construída em pedra sabão e ornada com imagens de Nossa Senhora do Desterro, padroeira que deixou a terra natal para trabalhar em lugares distantes.
 
Tombada em 1984, como patrimônio cultural do Estado de Minas Gerais, especialistas indicam que a construção dessa antiga igreja foi iniciada em 1743. Mesmo tendo passado por várias reformas, o traçado arquitetônico original foi preservado. A fachada é de linhas singelas e a inexistência de torres foi compensada com a construção em madeira com vedação de adobe de uma sineira separada do prédio principal. O grande desafio da atualidade é recuperar outros traços do conjunto arquitetônico do pequeno distrito, incluindo alguns casarões coloniais e cemitério.