SOLUÇÃO ÚNICA PARA A HUMANIDADE.

PARALELOS, CRISTO, BOBBIO, GRAMSCI.

Por Celso Felício Panza.

"O Cristo, Deus feito homem, pregou a igualdade pela caridade. Nesse ensinamento não havia identidade natural, mas doação, boa-vontade.

Ninguém é igual por natureza e assim demonstram o traço de escrita, a digital e o genoma a nós chegados pelo milagre da criação, mal explicado pela ciência, sem ter monopólio truísta, compreensão e extensão de sua verdade, e admitido pela fé dos que creem na origem divina.

Na igualdade da retórica dialética, ausente a caridade que segrega a liberdade, há o traço da doutrina comunista identificado em princípios políticos forjados no interesse pelo poder através da dominação.

A caridade que busca a dignidade humana, cristã, reside nos princípios básicos que afastam o sofrimento da fome e das necessidades vitais. É diversa da igualdade que suprime a liberdade. A vivência terrena do Homem-Deus, Cristo, já tinha precedentes padrinhos espirituais como Confúcio e Buda, nessa ordem temporal, ensinando esses valores.

Igualdade é, portanto, diante da natureza, impossível.

É, contudo, pregada pela religião de um modo geral através da fraternidade pela caridade.

O comunismo, como indica a palavra, é sistema ideológico que reorganiza a sociedade com a supressão da propriedade privada que passa a ser comum.

Socializam-se os meios de produção e de troca. Como doutrina tem sua origem na antiguidade na "República" de Platão.

Nos "Atos dos Apóstolos", para os primeiros cristãos, ninguém olhava o que lhe pertencia como se seu fosse. Gozavam de tudo em comum.

O cristianismo primitivo definia-se como uma sociedade de necessitados, um esforço enorme e heroico contra o egoísmo, sustentada a tese que cada um só tem direito ao que lhe é necessário.

O comunismo teve seus rudimentos inspirados em alguns doutores da igreja primitiva, abandonada mais tarde a idéia da tradição evangélica de condenar a propriedade privada, não sem antes, com São Crisóstomo, vociferar: "o rico é um bandido"; e São Basílio "o rico é um ladrão". Santo Ambrósio esculpiu a trajetória doutrinária da época, pode-se dizer, raiz da recente teoria da libertação, nessa síntese: "A natureza estabeleceu a comunidade ; a usurpação a propriedade privada".

Houve o que seria um comunismo das antigas comunidades cristãs (eccclesia). Era comunismo de fundo religioso e místico entre os professos da nova crença com princípio na ajuda mútua, NÃO ERA UMA LIBERTAÇÃO POLÍTICA, LOGO QUE NÃO LIBERTA, POIS ANTES RETIRA A LIBERDADE.

Desde a antiguidade até a segunda metade do século XIX não era o comunismo um sistema sem divergências, teoricamente, uniforme e harmonioso. Uns queriam afastada qualquer propriedade, outros somente a propriedade agrária. Coube a Marx imprimir conceito doutrinário ao comunismo, avançando para abrigar muitas consciências, intelectualizadas ou não, pela extremada via da revolução pela força, com a supressão das liberdades individuais.

Aí residiu o impasse de querer salvar aprisionando, libertar restringindo, de pretender o bem comum retirando o maior bem do ser humano, a liberdade.

O nó que um dia desataria a escravidão da vontade pela supremacia do Estado diante do homem, está e estava justamente na retirada de seu maior bem, A LIBERDADE.

Norberto Bobbio, embora combatido pela democracia-cristã, é a ponte que liga de certa forma a meta do reconhecimento da dignidade humana nascida da oralidade do Cristo à materialidade do pensamento das doutrinas humanas restritivas, que até hoje não compreenderam ser somente pelo alcance do reconhecimento dessa dignidade humana pelos Estados, que se chegará ao bem comum.

É Bobbio a luz que ilumina as trevas como uma pequenina chama que surge brilhando e desponta na escuridão de uma grande sala.

O filósofo Bobbio tem o mérito de tentar nivelar camadas distintas, extraindo afinidades do confronto doutrinário entre o antagonismo da liberdade que respeita direitos individuais com a restrição absoluta dos mesmos, pregando o encontro que realiza direitos individuais comuns naturais.

É de Turim, Itália, Norberto Bobbio, o Principe da Filosofia do Direito que elevou o pensamento político, marcando o século XX. No dia 18 de outubro de 1909, nasceu o filho de uma família burguesa do norte da Itália. Norberto Bobbio viveu o século XX por inteiro, quase todo, vindo a falecer na mesma cidade de seu nascimento aos 94 anos, em 9 de janeiro de 2004.

No final de sua vida, o jubilado pensador político italiano, expoente da cultura ocidental e mais famoso do mundo contemporâneo, bem ao contrário de Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, erigiu-se ao topo da defesa dos direitos individuais, como um dos seus mais expressivos ativistas e não como apologista dos poderes do Estado. Bobbio, emérito professor de Direito e Política em Turim, filósofo da democracia, foi inigualável e insuperável como defensor dos direitos humanos com mais de duzentas obras escritas.

"Cultura é equilíbrio intelectual, reflexão crítica, senso de discernimento, aborrecimento frente a qualquer simplificação, a qualquer maniqueísmo, a qualquer parcialidade". N. Bobbio, carta a G.Einaudi em julho de 1968, quando do “Rissorgimento”, movimento político acirrado e conflituoso à época na Itália, entremeado em lutas, surgiu um novo partido, o liberal-socialista, congregando um grupo de intelectuais preocupados em recuperar a liberdade italiana e a unidade da nação.

Entre eles estava Norberto Bobbio, então um conhecido professor de filosofia política de 34 anos. Estavam em território ainda sob controle fascista, e a maioria deles foi presa, sendo que Bobbio, encarcerado na Scali di Verona, só foi libertado três meses depois, em fevereiro de 1944.

Era uma agremiação estranha aquela, pois se dizia liberal-socialista, uma composição somente possível na Itália. Mas foi com essa notável linha de pensamento, liberal-socialista, onde me enquadro, que Norberto Bobbio se projetou internacionalmente como um nome ligado à teoria política.

Desintegrado seu partido, esvaziado na guerra fria, tendo o país se dividido entre democracia-cristã e comunistas, Bobbio dedicou-se ao jornalismo através do jornal “Giustizia e Libertà”, mais tarde em “La Stampa”. Como livre pensador e articulista no primeiro jornal referido cresceu e se tornou famoso apanhando das duas correntes políticas. No século XX, na Itália, três famosos homens de letras fomentavam os debates ao redor dos quais se deram enfrentamentos ideológicos e culturais.

Um deles era o filósofo Giovanni Gentile (1875-1944), que seguiu o fascismo até o fim; outro o festejado crítico e historiador Benedetto Croce (1866-1952), senador vitalício e ícone do liberalismo italiano e, fechando esse triunvirato, o marxista Antônio Gramsci (1891-1937), líder do partido comunista, falecido no cárcere, local onde produziu seus conhecidos “Cadernos” no ressentimento do ergástulo.

Bobbio, ao colocar-se ao lado da resistência antifascista, rejeitando Gentile, de certo modo tentou realizar a síntese entre os outros dois, Croce e Gramsci.

Pretendeu colocar na mesma via a tradição liberal da defesa dos direitos de liberdade, de palavra, de imprensa, juntamente aos objetivos marxistas de proteção ao trabalho, direitos previdenciários, organização sindical e outros.

Entregou-se à ingrata tarefa de conciliar a liberdade com a igualdade, ao meu credo só possível sob a integralidade e pura doutrina do Cristo, ao que se vê diante da natureza humana, inconciliável.

Fino intelectual, raríssimo, foram seus interlocutores Hobbes, Locke, Beccaria, Kant, Hegel, Marx, Weber e Kelsen, luminares das letras que recriou em novidade, extraindo-lhes afinidades para defesa de sua permanente tese de constatação de ser a plena democracia o melhor sistema político a ser alcançado.

Discutia e expunha os clássicos no dia a dia como um messias político. Durante muito tempo a opinião de Bobbio fez parte do cotidiano de milhares de cidadãos italianos, que o liam e o discutiam indo ao trabalho, à escola, nos metrôs, ônibus, cafés e bares.

Conhecer seu ponto de vista sobre este ou aquele problema político ocorrido na semana era básico para uma conversa no café da esquina e acabava, na maioria das vezes, em apaixonadas polêmicas. Isso o convertia em um verdadeiro tribuno republicano.

Embora não tenha tido muito sucesso, restou a vontade hercúlea de compatibilizar valores diversos, por vezes impulsionados em passionalidades como são os temas políticos. Nessa empreitada aproximou linhas que não se encontrariam nem no infinito, paralelos que são seus objetivos sob orientação política contrafeita.

Benedetto Croce era filósofo italiano nascido em 25-2-1866, Pescasseroli, Aquila, falecido em 20-11-1952, Nápoles. Croce, considerado uma personalidade intelectual de projeção universal, não se interessou apenas pela filosofia, mas também pela história, inclusive história da arte onde “Breviário de Estética” é sua obra mais conhecida.

Literatura, Economia e Política sofreram larga influência de sua intervenção. Seus pontos de vista foram difundidos em “La Critica” (1903-1944), influente revista fundada por ele mesmo.

O confronto com o materialismo histórico e a filosofia de Hegel fez com que elaborasse seu próprio conceito filosófico, o Idealismo Dialético. Era uma ótica de bom presságio histórico para a humanidade. Tinha fundamento na evolução dialética progressista voltada para a liberdade. A “Filosofia Dello Spirito” (1902-1917) é uma das suas mais conhecidas obras.

Elaborou em 1925 um manifesto contra o fascismo. Em 1943 refundou o Partido Liberal, que presidiu até 1947. Nesse mesmo ano, fundou o Instituto Italiano de Estudos Históricos.

Chega-se ao comentado e criticado Gramsci que pregou a revolução “mancata”. O famoso “comer por dentro” sem uso da força.

Quem foi Gramsci tão reverenciado e cultuado, mas pouco entendido?

Sem sentir, talvez, já que estava, de uma certa forma, também, ao lado das liberdades públicas, era um Bobbio marxista.

Quem não indica a força como meio político de assunção do poder, mas a representação democrática, através da “judicialização de meios sociabilizantes”, contrariamente ao deletério ensinamento de Marx, não pode ser inserido no rol dos sectários do pensamento que violentam as necessidades humanas de liberdade.

No Caderno 7, discorrendo sobre o “homem-indivíduo e o homem-massa”, Gramsci, ao fazer a defesa do “conformismo” social, ligava à espontaneidade do direito como ciência à vida social.

Coloca-se assim contra a tradição dos intelectuais europeus de rejeitarem dar dimensão de expressividade à cultura material.

O conformismo seria inclinação no mundo contemporâneo, amplo e mais forte que em tempos passados. O fundamento dessa ideia estaria nas “grandes fábricas”.

Gramsci entendeu bem o processo de massificação, identificando as três principais reações a ele como bem sinaliza Luiz Werneck Vianna, sociólogo, “a reacionária e conservadora, vinda dos velhos dirigentes intelectuais e morais da sociedade, que reconhece nesse processo uma ameaça à sua forma particular de civilização e de cultura; a daqueles que têm suas origens nos estratos da alta cultura e são críticos da sociedade capitalista, mas que, ao recusá-lo, se “tornam um grupo de resistência separado do processo histórico real”; e a que provém de “representantes da nova ordem em gestação”, mas que se limitam a difundir utopias e “planos cerebrinos”.

Para o surgimento de “um novo mundo”, identificado com a produção decorrente do trabalho, o sentido do utilitarismo deveria ser o alicerce maior, formador do arcabouço analítico de instituições morais e intelectuais novas, berço do novo padrão com novas possibilidades de autodisciplina, isto é, DE LIBERDADES, MESMO INDIVIDUAIS.

Nessa ótica, afastado está o salvacionismo e revoluções de ruptura. “Com o americanismo, a ênfase recai sobre o mundo do trabalho e, com isso, também recai sobre um ângulo internacionalista em detrimento do Estado-nação. Afinal, o fordismo, ALÉM DE RACIONAL, tenderia à generalização, como estaria se fazendo presente, aliás, no caso italiano, em que o corporativismo da Carta Del Lavoro deveria ser entendido como a premissa para a introdução dos sistemas americanos mais avançados do modo de produção e trabalho”, caixa-alta nossa, como entende Luiz Werneck Vianna, e continua: “o homem-massa da sociedade moderna significaria, pois, um processo “espontâneo” – como tal, não utópico nem “cerebrino” – de criação da vida estatal e do direito, este último, na ótica de Gramsci, mais uma vez contra a corrente, destinado a cumprir importante papel de caráter educativo e criativo na mudança social”.

A “geração espontânea” da vida estatal e do direito a partir da demanda social, ou como diz o sociólogo Luiz Werneck “a “ampliação” do Estado por meio de sucessivas assimilações produzidas em resposta a movimentos originários da base da sociedade, conforme a inversão do argumento hegeliano procedida por ele, até torná-lo evanescente”, acrescento eu, é remota e assim demonstram os sucessivos estágios políticos em todas as nações.

Direito é luta como deixou indelével o maior de todos os romanistas, Rudolf Von Ihering, mas isto não significa dizer que seja luta de força que remove instituições, mas de conquista pacificada na ordem democrática.

A revolução passiva de Gramsci tem esse valor, embora relativo e de difícil alcance, dando “partida a um processo constituinte permanente de regulação ‘por baixo’ de uma nova vida estatal”, como refere o sociólogo citado.

Seria preciso crer em uma democratização contínua sem os traços dos desvios crônicos, ou seja, assim “a revolução passiva poderia encontrar seu andamento preservado” na crença do sociólogo.

Creio contrariamente por não crer na ação legalista do Estado face aos desvios assinalados.

Para tanto recorro à história. Se não é possível valer-se de métodos retrógrados, experimentados e superados, derrotados pela história, demolidos pelo halo da necessidade de liberdade individual, também não vejo portas abertas à solução pelo direito cogente diante da corrupção humana e à distância do necessário abraço das nações no reconhecimento da dignidade humana.

A Teoria do “Elitismo”, tão enfrentada e mal, não se circunscreve ao âmbito intelectual ou ao legado de berço e nome. A elite é política também, entendida aí a classe dominante do poder, seja ou não aculturada, tenha ou não berço.

A elite do mando em qualquer doutrina sonante por estar detendo o poder sempre, umas melhores outras piores, não tem realizados os fins do Estado.

No Brasil, atualmente, não se pode dizer existir condições “gramscinianas” em evolução, nem como implantação objetiva nem como pretensão subjetiva.

Nada se vê nesse sentido, nem mesmo uma certa politização da Policia Federal que, embora com ordem judicial, faz prisões cobertas pela imprensa, embora prisões contestadas juridicamente pelos juristas e pela doutrina como inconstitucionais, não importando, por extremamente técnico e alongado explicitar, as causas da inconstitucionalidade.

Do exposto ressaltam paralelos de direção comum nas linhas políticas exercidas, principalmente onde Croce e Gramsci atuaram, em total oposição, mas ponderadamente, possibilitando suas aproximações por Bobbio da verdadeira e única doutrina que poderia elevar o homem a sua máxima dignidade, liberdade com igualdade social, a de Jesus."

PUBLICADO NA REVISTA DO IMB, INSTITUTO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL , "IN VERBIS", NÚMERO 36/2009, FLS. 38/41.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 21/02/2016
Reeditado em 21/02/2016
Código do texto: T5550136
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