Assim ou ...nem tanto 32
A troca do refém
Tudo estava pronto e esperavam que descesses. Ao tempo os rituais eram curtos, essenciais, sumários. As pessoas, muitas vezes, são como os pássaros, disse a Avó. Abeiram-se do ninho, querem voar e sentem medo. Se, porém, alguém os empurra, a impossibilidade de voltar e a certeza de se esborracharem lá em baixo, operam o milagre e a ave, bate as asas e ganha a necessária autonomia. Dói sair de casa para viver com um desconhecido, eu sei isso muito bem e de experiência própria, disse a velha senhora, ajeitando o casaco de fazenda puída. Tiveste sorte em ter sido boa a conversa, teres achado formoso o homem que te pediu em casamento e, sobretudo, não estares apaixonada por ninguém. Vai, meu amor. E, degrau a degrau, desceste a escada como se estivesses vestida de noiva, como se houvesse um ramo de rosas brancas na tua mão. Tremias. O resto foi breve. Assinaste a cedência do teu corpo ao homem que o queria e o teu Pai voltava ao seu mundo trazido como um fardo indesejável. Olhaste ainda o que deixavas: a casa, a família, as terras e, com uma sacola de roupa simples, subiste para o jeep e sorriste para o teu marido com as lágrimas a nublar a visão do seu rosto. Ele deu-te a mão, olhou o recorte do teu corpo adolescente e sorriu. Não tenhas medo. Na minha casa tenho um quarto só para ti. Vais aprender a cuidar da nova vida e eu esperarei que venhas a gostar de mim, a desejar unir o teu ao meu destino. Se isso não acontecer, voltas à casa dos teus e ficas livre. Seis meses passam rápido. Fiz a vontade a meu Pai e tu fizeste a vontade ao teu. Importa, agora, que sejamos nós a decidir se queremos ficar juntos ou não. Começaste a gostar dele. Apertaste a mão onde, até há pouco, a tinhas abandonada. A poeira da estrada tapou a visão do teu passado. Voavas.