Assassino Suicida - Parte III

Os dias passaram lentamente. Arrastaram-se, agonizantes, a cada maldito segundo. Cada um, uma fração a mais no declínio da sua sanidade.

Já não se alimentava há tempos. Seu corpo desidratado clamava desesperadamente pela ingestão de uma gota d'água que fosse. Nada. Sua vida reduzira-se ao nada, esfarelou-se e o pó escapou-lhe por entre os dedos excepcionalmente mais finos.

A cascata negra que caía-lhe pelos ombros voltara a adquirir aquela aparência sebosa e os dias sem tomar banho renderam-lhe, também, uma inhaca semelhante a que emanava da sua alma em putrefação. As cicatrizes da sua face pareciam ainda mais acentuadas. Os olhos negros agora mais pareciam cobertos pela névoa maléfica de mil demônios e o pobre rapaz estava quase certo de que cheirava à enxofre e podridão.

Naquela madrugada, que aumentava as estatísticas de noites da sua semi-vida em que não pregara os olhos, o ar fazia-se mais sombrio e carregado do que o comum.

A brisa fria que adentrava o quarto imundo pelas frestas da janela em cangalhos causava-lhe tremores da cabeça aos pés e arrepiava-lhe qualquer fio de cabelo que possuísse. Uma coruja piava solitária lá fora, como que num agouro. Os cães da rua ladravam raivosos. Ouvia vozes, mas não sabia precisar suas origens.

Fora desperto subitamente pelo miado agudo do gato preto que era sua única companhia. O bicho encarava assustado o espelho empoeirado há muito coberto por um tecido negro e denso.

Aproximou-se lentamente. O pavor impregnando cada um dos seus ossos, um pouco mais a cada passo. Com um estampido o tecido imundo caiu ao chão e revelou a imagem do garoto que o encarava com ira e punha-se à dizer: "-Estou morto. Morto para todo o sempre. E o mérito é todo teu."

NOTA DA AUTORA: Este texto é uma continuação desses:

PARTE I: http://recantodasletras.com.br/cronicas/5216658

PARTE II: http://recantodasletras.com.br/cronicas/5414458

Gabi Lima
Enviado por Gabi Lima em 20/02/2016
Código do texto: T5549830
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