Pela liberação dos mamilos
O carnaval brasileiro é conhecido mundialmente pelos espetaculares desfiles das escolas de samba e suas belas mulheres, que não raro chamam a atenção por exibirem despudoradamente os seios. Algumas cenas são amenizadas acrescentando-se estrategicamente animações virtuais (geralmente estrelinhas), uma forma de dissimular um possível atentado ao pudor ou ato obsceno.
Não obstante a veiculação diária de programas com forte apelo sexual (entre eles as telenovelas e os chamados reality show), inclusive com diálogos e cenas voluptuosas ao extremo, nota-se claramente o quão hipócrita é o povo brasileiro. Se de um lado aceita passivamente as demonstrações de implosão gradual da célula-máter da sociedade (a família), de outro se mostra completamente irredutível e reacionário quando o assunto é a exposição do corpo feminino. Até por conta da mente impregnada por elevada turbidez e dispensável puritanismo, passam a enxergar as coisas com os olhos da maldade, quando os fatos não são de seu agrado. O que tem de mais no corpo feminino para se ocultar publicamente, ou quais partes já não foram mostradas com riqueza de detalhes? Até mesmo por fazer parte da “comissão de frente”, naturalmente os seios são os mais visados. E por quais motivos a glândula mamária, transformada em permanente objeto de desejo sexual pode ser enquadrada e clicada de perfil, de frente, de cima e de baixo, mas não se pode mostrar os mamilos? Sabe-se que são rodeados por uma aréola de coloração mais escura e tonalidades variadas, diferindo no formato e no tamanho, mas absolutamente todos têm a mesma função: possibilitar a amamentação.
Vale então reforçar o argumento de que o problema está na cabeça das pessoas, enquanto portadoras de diferentes preconceitos. A mama tem o formato natural ovalado, sofrendo a ação direta da força da gravidade. Ocorre que os padrões atuais de beleza feminina elegeram como perfeitos os seios siliconados e fartos, de forma artificialmente arredondada, uma maneira de ressaltar os atributos da fêmea hominídea. Subentende-se que o tamanho dos seios remete à imagem da fecundidade e da feminilidade. Sendo assim, por analogia, no macho da espécie os músculos peitorais definidos e a profusão de pelos também teria o mesmo efeito, transmitindo a sensação de virilidade e masculinidade. Também no macho se verifica a presença do mamilo e da aréola, aparentemente sem funções definidas. Mas por que a sociedade moderna permite tranquilamente a exposição da nudez superior masculina? A busca por respostas pode ser direcionada pelos acontecimentos e se mostra óbvia por demais. Recentemente uma jovem “celebridade”, muito badalada no meio artístico, resolveu mudar de gênero e submeteu-se a cirurgia para a retirada das mamas. Pois agora, para deleite dos fãs e já se considerando um verdadeiro representante do sexo masculino, passou a expor o peitoral musculoso, como se houvera nascido dessa forma, sem que absolutamente ninguém se dispusesse a tecer alguma crítica por isso. Existe nesse País uma flagrante e permanente situação de quebra da isonomia. Se o homem pode, por que não a mulher?
Os mais pudicos poderiam argumentar que a mulher não pode mostrar os seios (no caso, os mamilos) simplesmente por se apresentarem como uma protuberância acentuada (no homem é tudo muito mais “discreto”). Consideramos imoral expor os seios porque eles têm volume e isso incomoda. Associamos a conduta moral da mulher (e não do homem) à forma de como ela se veste e se porta. Medimos as pessoas com nossa régua obtusa e automaticamente classificamos (em nosso íntimo) como extravagantes os adeptos à tatuagem, aos piercings, aos cortes de cabelo inusitados. É por isso que a mulher não pode nem deve expor os seios. Não nesse Brasil atrasado e capenga. Não com essa gente hipócrita e condescendente. Não nessa sociedade machista, em que os valores morais são ditados pelo poderio econômico de uma emissora de televisão. Mostrar ou não os mamilos pouco importa. Isso é o de menos, é apenas mais um detalhe. Pois então, que se proíbam de uma vez a exposição dos seios, ou liberem os mamilos. Chega de hipocrisia!