Uma vida e duas revoluções
 
Luiz Carlos Pais
 
 
Esta crônica focaliza a trajetória de Ezequiel Sotero de Castro, filho de ex-escravos, nascido em 1893, numa fazenda de café no município de São Sebastião do Paraíso, MG. Em depoimento prestado em 1935 ele contou sua história, relatando que participou de dois movimentos revolucionários, em 1924, no episódio conhecido na como “Revolução Esquecida”, e também na revolução constitucionalista de 1932. Saiu perdedor nos dois. No primeiro, perdeu uma das vistas, quando foi atingido por fragmentos metálicos no rosto ao participar de uma refrega e no segundo, perdeu a perna esquerda após ter sido atingido por uma granada. Esse depoimento foi publicado em jornal do Rio de Janeiro, onde estava residindo num albergue, em 1935. Seu desejo era conseguir junto às autoridades uma perna mecânica e um emprego para que pudesse ganhar a vida com dignidade.
 
Sua participação nas duas revoluções começou quando ele prestava serviços à Força Pública e aceitou o convite para incorporar-se a um batalhão paulista. Em 1924, teve início o golpe revolucionário que voltou a reunir tenentes insurgentes comandados pelo general Isidoro Dias Lopes. Como “membro da força pública” participou de uma tentativa de cerco aos militares rebelados, quando teve uma vista atingida. Após sair do hospital, sem conseguir emprego na capital paulista, voltou a residir em sua terra natal, São Sebastião do Paraíso, na casa de sua mãe, trabalhando numa fazenda até 1932.
 
Quando o Estado de São Paulo levantou suas tropas contra o governo Vargas, um capitão fiel às tropas paulistas mandou um emissário à cidade mineira para convidá-lo para um novo alistamento para lutar na Revolução. Aceitou o convite diante da oferta de que ganharia a divisa de 3º sargento, caso “reintegrasse” às forças públicas paulistas. Foi enviado para um quartel próximo a Campinas. Ao ser apresentado ao comandante foi constatado seu problema de visão, mas, as circunstâncias exigiam aumentar a tropa para o combate emergente.
 
Ainda na região de Campinas, ao participar de um tiroteio, Ezequiel foi atingido com estilhaços de uma granada que fixaram em sua perna esquerda. Impossibilitado de continuar em combate, foi socorrido e levado para um hospital de Guaxupé, MG, onde recebeu tratamento e o ferimento foi considerado sarado. Voltou para a casa de sua mãe, em Paraíso, onde, depois de alguns meses, voltou a ter dores horríveis na perna atingida. Procurou a Santa Casa de Misericórdia para tentar um tratamento, quando para sua surpresa, o médico constatou que ainda havia estilhaços metálicos no ferimento. Pior do que isso havia um avançado estado de gangrena. A alternativa foi amputar a perna. A cirurgia foi realizada no hospital paraisense. Recuperado da cirurgia, mas sem a perna esquerda, Ezequiel resolveu viajar ao Rio de Janeiro, na esperança de receber algum apoio do Ministério da Guerra.
 
No Diário Oficial da União, edição de 3 de dezembro de 1934, consta o registro de sua representação identificado como reservista da “Polícia Mineira”, solicitando que o Ministério da Guerra lhe providenciasse a confecção de uma perna mecânica, visto ter lutado na Revolução de 1932. Um lacônico parecer finaliza esse processo, determinando que o requerente provasse ter lutado no referido movimento revolucionário.
 
Sem receber apoio das autoridades militares e residindo por quase um ano no Albergue da Boa Vontade, através do depoimento prestado à imprensa, o paraisense revolucionário apelou para a caridade para quem pudesse auxiliar na obtenção de uma perna mecânica. Para finalizar, como acontece ao focalizar um episódio singular, não é possível atribuir-lhe o estatuto de fato plenamente objetivo. Porém, as trajetórias de vida não são conduzidas apenas pelos sonhados caminhos da objetividade.