Os bons sempre desistem

Os bons caminham nas calçadas inexistentes de bairros marginais, ouvem a música gospel desafinada mas dotada de fé vindas de igrejas-garagens,. Não irão a nenhuma igreja, os bons. Vão caminhar à noite, professar a sua fé em nada, ou em deus, ou na humanidade, tudo a mesma coisa. Fé e terapia, tudo uma coisa só. Os bons caminham, e de súbito, obviamente, à noite, observam uma família se despedindo com cordialidade, e quem sabe, um pouco de amor. Mas os bons fecham os olhos para isso. Normalmente não tem ou são negligenciado por suas famílias, e com cem por cento de certeza, não creem em amor. Nem que seja só um pouco de amor. Os bons continuam caminhando, noite afora ou adentro, tanto faz, depois de tanto ficarem cegos lendo "os russos mal comidos que não souberam aproveitar a vida, não sabem mais aproveitar a vida também", é o que pensam as pessoas. Mas os bons não ligam para a maioria das pessoas e quando não louvam, respeitam os mestres russos das letras. Assim, os bons caminham, perseguindo ruas vazias e sujas, à procura de qualquer coisa que seja menos caótica do que se encontra em toda parte, como se estivessem vagando por guetos de São Petersburgo, em pleno inverno. Os bons não gostam de conversar à toa e muito menos seriamente. Precisam de uma conversa equilibrada para servir suas almas desmesuradas. Raramente encontram. Então, os bons, acabam sempre indo embora, nem muito cedo, nem muito tarde. Quando retornam para seus lares, os bons sentam nos seus quartos alugados e fumam cigarros ruins, pensando que talvez, não sejam bons. Podem estar errados. E certamente estão. Mas são incorrigíveis. Não há música. Assoviam então. Beethoven e Deep Purple. Bebem se houver bebida e fumam cigarros ruins. Pensam em tudo o que viram noite adentro- ou afora, e dentro dos seus cubículos nos arrebaldes de uma grande cidade, pensam em tudo, mas principalmente no suicídio. Então,- e mais uma vez- Então, pensam que talvez ninguém seja tão bom assim. Terminam o copo de bebida ordinária, tentam escrever obras imortais, assoviam clássicos da música erudita e do rock. Não fazem muito além de atrapalhar o sono alheio com seus assovios. Depois dormem. Dormem como crianças boas, num sono tranquilo. Não fizeram nada de bom hoje. Nem de ruim. Fazer o bem, pode significar fazer o mal. E é por essas e outras que, por bem ou mal, os bons sempre desistem de fazer qualquer coisa.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 19/02/2016
Reeditado em 20/02/2016
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