Confissões de Narciso
 
Aviso: Texto grande e autocontemplativo, se não gosta de ouvir alguém falando de si mesmo, e não tem paciência para leitura... Pare de ler aqui. Obrigada pela atenção!

Se você continuou, vá até o fim, a percepção de outros sobre o seu próprio contexto de existência sempre é de valia, penso eu.

Não demorei a entender que somos, interessantemente, seres de fases, mas perceber as mudanças ao seu redor não é compreender suas reações mediante as mudanças. Sinto que não mudei, mas que apenas me adequei as mudanças exteriores, e isso torna a crença na evolução uma utopia. Quem sabe evoluir seja somente redescobri a si mesmo.

Tenho silenciado diante o mundo, não mais com meu olhar acusador, e embora não negue minhas opiniões, destilar veneno engazopado no requinte de uma taça de fino licor, já não me causa satisfação, confesso que sempre me foi prazeroso humilhar o poviléu com minha capacidade argumentativa, e quantas vezes calei a humildade do “correto” com meus erros abençoados por uma base profunda de irrefutáveis dissertações intelectuais ?
E tudo isso pelo gozo mórbido de me ver invencível em algo, claramente atitudes de um ser que se sentia em fracasso.

Muito cedo tive que marinar nas especiarias do sofrimento; muito cedo desenvolvi anticorpos contra as ferroadas da vida; criei uma obra de arte, uma armadura reluzente do mais refratário e endurecido metal... E mesmo que mecanicamente fosse uma maquina amarga, um guerreiro embrutecido, narciso afogando-se no seu espelho, eu nunca deixei de parecer em profundidade de emoções; escolhi todas as dores que senti, ninguém podia me ferir, mas eu possuía o poder de me multilar e de provocar alivio nas feridas que auto infligia em minha alma... Tudo para embelezar minha arte, pois sou artista visceral, sem emoção nada crio, pois a matemática não me fascina, sou do calor das letras, não vejo beleza na arte fria dos numerais.

Em suma eu afastei o mundo de meu alcance para observa-lo e julga-lo enquanto sentia os espinhos de meu trono de arrogância.
Para cada pessoa uma conduta, sempre a que melhor encaixava-se a personalidade de quem tentava se aproximar.
Hó Sim! Encontrei pessoas que driblaram minhas defesas, e como sofreram pelo simples desejo de sorrir ao meu lado... Admiro essas pessoas que foram capazes de me conquistar, pois essas poucas pessoas acessaram o que neguei a mim mesmo, toda minha fidelidade em morrer por eles se preciso fosse. Pobres de meus amigos, agora os vejo como os cristãos do principio, aqueles valentes da fé que se ajoelhavam diante leões enraivecidos, esbanjaram para mim a coragem abnegada de quem ama, e eu, na condição dolorida de gladiador nunca os entendi... Hoje aceito o amor desses poucos seres que me querem bem!

Nunca, nem mesmo agora, será fácil, nunca é... Contudo, eu não posso culpar as pessoas que possuem suas ideias formadas sobre minha “persona” eu as levei a crer como creem. Mas já que me permito saborear felicidades e tristezas que não posso controlar o tempo de duração e intensidade... Se finalmente respiro fora do rio que afogou Narciso, posso falar um pouco de quem hoje sem armaduras interage com a vida.
Ainda sofro de um mal que parece incurável: Minha doença é um excesso de paixão por mim mesmo, vai além de amor próprio, sou tão fascinada por mim que me projeto existindo fora somente para sentir o estranho prazer de uma troca de energia comigo mesmo, e tudo isso me levou a criar um mundo estranho, não onde eu era o centro, mas onde existia somente eu e o rio que reflete minha imagem e que vez por outra me afogava ( é...Ainda caio nele...)

Essa paixão perdeu seu vigor; posso me livrar de qualquer coisa menos de mim mesmo, então passei um tempo arrastando atrás de mim o meu fantasma cheio de reclamações e dores derivadas de nosso rompimento, até que me vi existindo nas sombras de um ideal ridiculamente oportunista e vaidoso, e nessa sombra vaga, tão profunda que torna-se vazia, finalmente me vi existindo fora de mim mesmo. Maldição! Quem pode controlar tais eventos? Mas podemos lamenta-los, pois bem...Olhei para meu reflexo e finalmente tive compaixão...Amei...

- Muitos não, mas há alguém em especial que espera tais palavras, com certeza irá me reprovar pelos modos, e irá me dizer “ não precisava se violentar assim”
Mas, não seria eu se fosse diferente.
Não fui de tudo crueldade, frieza e arrogância... Desenvolvi rudeza que parece força, raiva que parece engajamento, inconsequência que pare coragem, para cobrir minhas fraquezas, eu não suporto sentir dor... E eu sou tão capaz de amar, que tudo se descontrola e torna-se uma supernova em meu coração; engana-se quem diz que o amor é perfeito, não, se ainda não aceitou isso, ainda não conheceu o amor em suas variáveis formas de existir, amar não é gozo eterno e compadecimento como diz Paulo em sua carta aos Coríntios...

Hoje, não quero ser imbatível e não quero me sujar na lama da crença de que posso salvar o mundo, não por ser acometida de uma humildade alienígena. Hoje necessito ser salva, pois estou no mundo, e sofrendo em carne viva toda a sua realidade, realidade que muitos fogem cobrindo-se de lendas e ilusões ofertadas por sábios homens que entendem o desconforto humano como uma arma poderosa de manipulação.

E já não quero humilhar os grandes vaidosos e personalistas, pois compreendo que cada golpe que desferi com minha espada ou cada bala bem disparada era um ataque ao que reprovava existindo em mim...
Quando é que achamos melhor lapidar nossos defeitos, simplesmente por que nossas qualidades nos fazem chorar e tremer de dor e medo?

Onde foi que perdi minha graça?

Sabe quem eu sou ?
Sou um artista tolo, um jornalista da alma... Um guerreiro que faz guerra contra a guerra, e que odeia o ódio... O requinte nunca me agradou, a genialidade nunca me fascinou, o mistério nunca me instigou...

Eu nunca assumi, mesmo quando deixei escapar tal sentimento em alguns versos, que o que me agrada é o sorriso grato no rosto sofrido de um indigente, que a simplicidade dos analfabetos me faz dobrar os joelhos e me tornar aluno da sabedoria pura em sua essência, sem doenças causadas por excesso de falso conhecimento; a sinceridade e transparência do descuidado e distraído me faz sentir aquela paz estranha no coração, que não sabemos explicar, mas nos faz sorrir, não em ato pequeno de zombaria, mas como expressão de uma compaixão reconfortante...

Não busco aprovação do mundo, eu anseio aprovar o mundo, mas não posso molda-lo ao que gostaria de ter por mundo, não irei me retirar “dele” exercendo assim a opção covarde de um conquistador mequetrefe que não conquista os domínios da própria alcova... E não irei alimentar a inconsequência suicida, que em nada é destemida, para mudar uma gota que não seja meu próprio pensamento doente de humano trancafiado em gaiola de carne.
No meio de toda essa agitação, no meio do caldo encarnado de minha personalidade cheia de controvérsias eu encontro nuances de beleza que antes julgava serem minhas distrações e prazeres pueris...
“Eu dou meu braço esquerdo por um riso espontâneo e sem medo”
“Eu não preciso de nada, só de papel, caneta e poeira de estrada”
“Eu minto quando digo que não amo...Quero aprender a chorar, sempre me doeu não ser capaz de me emocionar, não com dores inventadas, mas com as minhas próprias dores disfarçadas”
“Eu disse adeus para amores e me joguei na busca infértil de meus sonhos de justiça, uma boa desculpa para ignorar o que poderia de fato me revelar”
“Eu tenho o espírito pronto para viver o outro lado que criei, ver o amor indo embora no mesmo balanço do mar de sonhos que sonhei”
Sou o mesmo ser que nos idos tempos brotou em pureza alienada do ovo cósmico de Osíris, só que hoje menos disposto a alimentar comportamentos que aprendi em eras de existência, pois nada disso na verdade sou “eu”, tudo isso, na verdade, é um desfazer-se de maneiras para que o “Eu” renasça, não mais alienado, pois mesmo que me desfaça das maneiras, elas são o legado de uma existência de aprendizado... Qual o sentido de tudo isso?
Quem vai saber! Acho que já fiz perguntas de mais, e hoje não sinto nem o desejo de responder... Apenas sigo os ventos da vida, esse ainda é uma fagulha do ser que confundiu venturas com aventuras, mas é o que a vida me pede agora, um pouco menos de mim mesmo e um tanto mais do que escondi no nevoeiro cheio de narcótico de minha alma escorregadia.

Sem mais...Por hora...
Thoreserc Poeta das Sombras
Noah Aaron Thoreserc
Enviado por Noah Aaron Thoreserc em 19/02/2016
Reeditado em 19/02/2016
Código do texto: T5548106
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