Tem dessas
Caminhar na praia sozinha tem dessas:
Às vezes bulimos demais nos pensamentos. Outras vezes, somos invadidos por uma ânsia de liberdade desmesurada. De um jeito ou de outro, só tem um jeito: jogar-se no mar: perder-se de vez em seus rebuliços ou encontrar a desmesurada liberdade no seu deslimite.
Quando tudo está prestes a se ajeitar, a gente lembra que não tem com quem deixar as bugigangas praieiras (e sequer levou R$ 1,00 para alugar um armário).
Nada de tão significante entre as bugigangas se não fossem suas significâncias:
Uma camiseta: para garantir o não-recebimento de reles piadas;
Uma canga: para garantir o não-constrangimento;
Um protetor labial: para não queimar a boca e correr o risco de feri-la ao descascar;
Um walkman: o maior dos companheiros de aventuras;
A chave do carro: a passagem para a liberdade limitada.
Onda vai, onda vem: nenhuma simpatia apareceu a quem eu confiasse os apetrechos.
Passo vai, passo vem, finalmente: uma moça com uma criança sentadas no meio da areia calcada pela baixada da maré.
Pronto: lá estava eu, subindo e descendo onda: me perdendo nas emboladas, me encontrando na imensidão, satisfeita com a gentileza da moça e com o sorriso do pequeno.
Dez minutos depois, mais uns dois tentando me largar das ondas que me insistiam, fui apanhar os apetrechos. Alguns segundos antes de me baixar para apanhá-los, um rapaz baixou-se de supetão e largou um beijo apaixonado na moça. Eu, já a meio caminho dos pertences, não consegui frear e dei de cara com aquele beijo.
Agradeci encabuladamente. Saí à francesa, sem jeito, sem graça, abraçada com minhas bugigangas, arrependida de não ter cronometrado o momento certo para me desvencilhar daquelas ondas.
A vista daquele lindo beijo deu fim ao efeito da leveza conquistada no mar.
Lá fui eu novamente: passo vindo, passo indo, maré puxando e cuspindo.
Procurei até o sol esquentar, mas não encontrei uma moça mãe-solteira com uma criança para cuidar dos meus apetrechos.