Deixo a tempestade pra mais tarde
Ontem apaguei a luz voluntariamente e ascendi minha mente involuntariamente, não foi a primeira vez, mas sempre me assusto com isso, no auge da solidão, entre quatro paredes com a porta fechada, a luz a pagada, está tudo escuro e não posso ver nada. Assusto, porque é como se repentinamente viesse uma tsuname de pensamentos na minha cabeça e parece que ela não vai agüentar e transbordará, havia acabado de ler um capitulo de um romance no qual discutiam sobre o aborto, mais uma dessas invenções cruéis e desumana dos humanos.
Opa!
Está aí um dos pensamentos, seria correto usar o termo desumano para um humano? O que é ser humano? Pensei. Seria pertencer a uma sociedade e conviver bem com ela, seria não matar outro animal da mesma espécie, seria trabalhar em algo que não prejudicaria ninguém, seria abaixar o volume do som quando outro estivesse incomodado, seria não torturar? Ser humano é isso, ou isso é ser desumano? Ser humano é ser civilizado? O que é ser civilizado? Meu tio nos dizia para sermos mais civilizados quando agente se sujava de lama na casa dele. Ele se achava um modelo disto, foi a favor de guerras, a favor da invasão armada na favela, sem pensar pra quem sobraria os tiros perdidos sem rumo, foi a favor da construção de cadeias, nas quais ficam vinte pessoas em cinco metros quadrados, vinte pessoas sem privacidade, locomoção e, injustiçadas na maioria das vezes, estão ali, não por vontade própria, bandidismo muitas vezes é por questão de necessidade. Meu tio era um modelo de homem civilizado e quando soube disso, eu nunca quis ser civilizado como ele.
Volta e meia, deitado, ainda meus pensamentos voltavam ao aborto, seria uma crueldade necessária? Não quero entrar em detalhes mesmo porque, não tenho capacidade de argumentar, vou ficar em cima do muro, apesar de na maioria das vezes estar a favor dessa crueldade humana. Penso nas notícias do jornal, jovens classe média alta, batem em empregada, menino menor de dezoito anos assalta e mata, polícia prende garoto de quinze anos por tráfico. Ás vezes, eu penso que não temos capacidade de criar nossas crianças, ás vezes, penso no futuro do meu futuro filho, se um dia tiver é claro, matuto também se quero este mundo para ele, penso que esse mundo é um só e não tem como fugir a menos que se aborte. Os pensamentos continuavam, as dúvidas aumentavam. Atormentado, ascendo a luz, leio algo desinteressante, distraio, fico com sono e vou dormir, adiando e fugindo assim, de uma tempestade mental que está por vir. Assim, as milhares de dúvidas e questões e pensamentos e seja lá o que for, ficaram pra depois, esperando a hora de avançarem.
Quando acordei hoje de manhã, retomando a lucidez, pensei: _ Até quando vou conseguir segurar essa tempestade?