Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais
 
Luiz Carlos Pais
 
 
O atual curso de direito da Universidade Federal de Minas Gerais teve origem em 1892, quando foi criada a Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, na cidade de Ouro Preto, que foi a capital do estado até 1897. Não havia ainda legislação federal para regular o funcionamento dos cursos superiores e competia ao governo estadual autorizar a existência dos então chamados "cursos livres". No ano seguinte, esse centenário curso de direito foi transferido para a nova capital, Belo Horizonte. Passados mais de um século, o tradicional curso superior consolidou-se na honrosa posição de destaque entre os principais centros de excelência do país. Na lista dos bachareis formados nesse curso jurídico figuram brilhantes advogados, magistrados, educadores e políticos que se destacaram em defesa de grandes questões nacionais.
 
Nesse sentido, entendemos que é oportuno registrar nesta crônica histórica que a constituição inicial dessa tradicional Faculdade de Direito se tornou possível graças ao sistema incentivado pelo governo para previa a doação de recursos financeiros por partes de cidadãos abastados da sociedade mineira, da capital e das principais cidades do interior. Naquele momento, estava prestes a iniciar as três décadas de hegemonia dos partidos republicados mineiro e paulista, os quais se alternariam na Presidência da República. É nesse quadro político global que houve uma campanha de arrecadação das doações para criar um curso idealizado para proporcionar a mesma formação proporcionada pela renomada Faculdade de São Paulo.
 
Entre os doadores que acreditaram nesse projeto inicial de constituição da histórica instituição de ensino superior mineira estavam 44 (quarenta e quatro) moradores de São Sebastião do Paraíso, representantes dos grupos mais abastados da sociedade local, incluindo fazendeiros, comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, entre outros. Esses cidadãos doaram, conjuntamente, o total de quatro contos de reis, com valores entre 10 a 100 mil reis cada. Nessa época, ainda estava na fase inicial a expansão das grandes fazendas cafeeiras do município, cuja fase áurea de produção coincide, aproximadamente, com a República Velha.
 
O juiz de direito da comarca recém instalada de São Sebastião do Paraíso, Cláudio Herculano Duarte, assumiu a presidência de uma comissão local de arrecadação dos recursos para a citada finalidade. Também faziam parte dessa comissão os coroneis José Aureliano de Paiva Coutinho, José Cândido Pinto Ribeiro, José Luiz Campos do Amaral Junior e Francisco Adolpho de Araújo Serra. Esse último ficou encarregado de entregar, pessoalmente, ao diretor nomeado pelo governo estadual para organizar referido curso de Direito. Direção essa então exercida pelo doutor Afonso Augusto Moreira Pena, político que ainda ocuparia, nos anos seguintes, o governo de Minas e a própria Presidência da República. A entrega do valor arrecadado, acompanhado de ofício subscrito pelos doares paraisenses, foi amplamente noticiada na imprensa.
 
“Excelentíssimo Senhor: A comissão abaixo assinada tem a honra de passar às mãos de vossa excelência por um de seus membros, o coronel Francisco Adolpho de Araújo Serra, a quantia de quatro contos de reis, produto da subscrição promovida nesta comarca, para o patrimônio da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, fundada nesta capital como demonstra a inclusa lista. Aproveitando a ocasião, a comissão renova os protestos de alta estima e consideração que tributa a vossa excelência. Saúde e Fraternidade. Subscrevem o documento os seguintes cidadãos:

Cláudio Herculano Duarte, José Aureliano de Paiva Coutinho, Francisco Adolfo Araújo Serra, José Cândido Pinto Ribeiro, José Luiz Campos do Amaral Junior, Aprígio Serra, João Batista Teixeira, Vicente Soares Carvalhaes, Honestálio de Almeida, Alfredo Serra, Placidino Brotero Franklin Brigagão, José Henrique Cardoso, Cassiano do Carmo Froes Junior, Francisco Soares Netto, Antonio Leôncio de Castro, Thomaz (...), Astolfo Batista Nogueira, Dario Getúlio Mendonça, Pio Félix da Silva, Antonio Pimenta de Pádua, Luciano de Mello Nogueira, José Martins Carvalho, Hermeto Domingues Ornellas, Antonio Soares de Paula Coelho, Manoel Rodrigues da Silveira Sobrinho, José Albino Soares, Herculano Cândido de Mello e Souza. Padre Batista Delfino de Abreu, João Pio Westin, Joaquim José Cardoso, Henrique Luiz Cardoso, Martiniano Severo de Carvalho, José Honório Vieira, Alípio Ferreira de Oliveira Rezende, Antonio Francisco Soares Netto, Antonio Augusto de Souza, Francisco Ferreira Godinho, Manoel Venâncio Viera da Silva, Francisco Pimenta de Pádua, João Ataliba, Enoch Alves Arantes, João Nicácio da Silva e Erlino Felinto. Cidade de São Sebastião do Paraíso, 30 de Maio de 1893”

 
Para finalizar, cumpre observar que na notícia divulgada na imprensa  constava também a discreta anotação de que “um grupo amante da ideia” havia doado a modesta quantia de 10 mil reis. [Minas Gerais, Ouro Preto, 27 de junho de 1893] No ano seguinte, foi reconduzido à direção da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, Affonso Augusto Moreira Penna, que, anos depois, seria o sexto Presidente da República.