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OUTROS CARNAVAIS = EC
Guilhermina chega-se à janela e contempla a rua quase deserta. Nem parecia uma noite de carnaval. Onde os fantasiados, os cordões, a alegria?Com uma ponta de tristeza lembra de vários carnavais que na época nem foram tão alegres mas que agora lhe traziam aquela sensação de “ era feliz e não sabia”.
Era muito pequena ainda, três ou quatro. anos e passeava com os pais ao cair da tarde apreciando os primeiros foliões que se espalhavam pelas ruas, fantasiados e barulhentos. Caminhava um pouco a frente e de repente surgiu uma aparição apavorante, fantasma? dragão? demonio?
Assustada, tropeçou, caiu e antes que o pai a levantasse o fantasiado o fez o que aumentou-lhe o pânico. Demorou muito para ela entender que aquilo não era nada mais do que um homem fantasiado.
Depois disso vieram algumas alegres matinês fantasiada de fada, colombina ou princesa que passaram rápidos como tudo na vida e chegou aquela fase em que queria ir aos bailes e os pais não deixavam porque ela não tinha idade para isso.
Ela tinha amigas de sua idade que entravam nos clubes com a cumplicidade do segurança mas seus pais nunca permitiriam uma coisa dessas e ela não conseguia entender porque isso era errado. Foram várias noites de carnaval que adormeceu chorando sentindo-se a mais infeliz de todas as criaturas enquanto as amigas e até o namorado divertiam-se nos bailes.
Casou-se, o marido não gostava de folia e ela passou muitos carnavais tranquilos assistindo os desfiles na televisão, torcendo pelos seus favoritos até que os filhos depois de passarem pela fase dos matinês começaram a querer participar dos bailes antes de terem idade para isso.
E as cenas se repetiram. Adolescentes chorando e ela só então entendendo a posição de seus pais tantos anos atrás,
Para complicar ainda mais, seu marido achava que o filho podia porque era homem e a menina não e é claro que a menina não entendia porque tinha que ser assim e ficava mais revoltada ainda.
Algumas vezes foram passar os feriados em uma praia. Ela não gostava de praia, mas o marido e os filhos gostavam muito e ela aproveitaria os feriados para ler um livro.
Alugavam uma casa para gastar menos e ter mais liberdade e sempre as duas cunhadas com os respectivos maridos apareciam para aproveitar o passeio gratuito.
Todos levantavam muito cedo e saiam para aproveitar bastante o dia e antes que ela se acomodasse para ler o seu livro o marido estava de volta com uma sacola de camarões para o almoço.
Ele ajudava um pouco e atrapalhava muito, ora querendo experimentar a comida, ora oferecendo um gole de sua bebida ou pedindo um beijo sabor cebola.
Os cunhados chegavam encaloradas e tudo que queriam era tomar banho, almoçar e dormir o resto da tarde.
— Pode deixar a louça que nós lavamos ... mais tarde ...
Mas só levantavam na hora do jantar e é claro que nem lembravam mais dos pratos na pia.
Mas as crianças estavam felizes, divertindo-se sem pensar nas folias do carnaval e isso compensava tudo.
E o tempo sempre passando cada vez mais veloz, as crianças cresceram, casaram, foram para longe, o marido se foi e ela agora estava absolutamente só, olhando a rua deserta sem saber o que fazer para encher o enorme vazio em que se tornou sua vida.
-- Ah! Aquele livro que eu queria ler ... Quem sabe agora eu consigo!
Fechou a janela e foi procurar o livro que ainda tinha o marcador na página no. 10, tudo que ela conseguira ler naqueles longínquos feriados de carnaval, na praia.
Este texto faz parte do Exercício Criativo –
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