Domingo de manhã
Ele acordou com os barulhos das manhãs, o bem-te-vi dando seus gritos matinais, as maritacas fazendo algazarra cada vez que se assustavam com os latidos dos cachorros no quintal, pardais grasnando fino em seus ninhos nas telhas, ele foi pouco a pouco ainda de olhos fechados identificando cada som. Esticou o braço para fazer um carinho em Estélinha e sua mão só encontrou lençóis amassados, então sentiu o cheiro de café, o leite fervendo, o cheiro de pão frito na manteiga na casa de algum vizinho, os cheiros estavam soltos no ar como todas as manhãs de domingo, todos preparando o café da manhã, cheiro de ovo frito, sons de rádio, TV's e o barulho gostoso do chafariz do lado de fora de sua janela. Esticou o corpo de um lado para o outro, sentindo cada junta estalar, um repuxo aqui outro ali, umas esticadas de pernas e braços, uma preparação do corpo para iniciar as atividades do dia. Aquilo era uma das coisas que ele não abria mão, observara que os passarinhos esticam as asas nos fios, a cachorrada estica o corpo, os gatos, talvez até os insetos, nisso ele nunca reparou, mas se os animais faziam, todos deviam fazer. Ele percebeu que o despertar com alongamento e abertura de boca e gemidos era uma beleza para colocar tudo no lugar.
O ventilador de teto estava na velocidade dois, ultimamente o calor estava de lascar, ligava o ar condicionado e o ventilador ao mesmo tempo e de madrugada Estélinha cutucava ele e dizia que estava com frio, estava mesmo, então lá pelas três da madrugada, depois daquele primeiro sono onde ninguém é de ninguém, ele desligava o aparelho e mantinha o ventilador de teto ligado, e voltava a dormir, o quarto ficava fresquinho até de manhã. O ar condicionado vai baixando a temperatura de tudo que está no quarto, paredes, guarda-roupas, cômoda, roupas, cama, tv, janela, etc.. quando tudo já está frio o sono vem com tudo, de madrugada fica tão frio que é melhor desligar. Estélinha de vez em quando reclama que o ar condicionado a deixou com dor nas costas, aí faziam uns alongamentos e tudo sarava em definitivo.
Ele sentou na cama, calçou o chinelo e saiu se apoiando até o banheiro, olhou no espelho e como sempre se assustou com os olhos inchados e ramelados, a calva se acentuando, uma ruguinha aqui outra ali, o cavanhaque branqueando e pensou consigo, bom..é inevitável. Lavou o rosto copiosamente, entupiu a escova de pasta dental e caprichou na escovação para tirar aquele gosto de cabo de guarda chuva, deu uma escovada na li[ngua e ficou uns segundos lutando contra a ânsia e vômito que aquilo provocava, fazia isso todas as vezes que escovava os dentes.
As manhãs de domingo sempre são especiais, mas aquela tinha uma surpresa esperando por ele. Trocou-se, vestiu a bermuda e uma camiseta de domingão e foi a cozinha dar um abraço em um beijo em Estélinha. Surpresa, a sógrinha friorenta já estava lá dando os pitacos de sempre. Levou aquele balde de água fria mas engoliu a surpresa como sempre, como se tudo fosse festa,´uma falsidade ensaiada por vezes sem fim, fazer o quê, a mãe de Estélinha sua estrela e alegria das manhãs tinha saído dela, fazer o quê?
Ele cumprimentou dona geladeira e já foi logo dizendo que ía pescar com uns amigos, Estélinha olhou com aquela cara estranha de entendi tudo e disse Mamãe já vai embora, só passou para nos dizer um olá! Ele se espantou e disse num sopetão "Então não vou pescar, não vou deixar você sózinha". Estélinha serviu o café em silêncio esperando o clima passar. Sinceramente, tem surpresa que ninguém deveria ter, ainda mais num domingo de manhã.