Marrento
Há pouco tempo, ao publicar uma das poucas fotos de meus tempos de juventude que me restaram nesta incessante peregrinação pela vida, um amigo comentou que não gostava de mim, à época, por me julgar muito “marrento”, felizmente contestado por uma querida e diligente ex-namorada que, em minha defesa, disse que ele estava errado, já que eu não era “marrento” e sim charmoso. Devo confessar que me envaideci com esta última afirmação, com a qual tenho que concordar, apesar de que julgo também válida a primeira...
Hoje, quando distante e separado daqueles áureos tempos por cerca de meio século, quando a lucidez que a maturidade nos propicia permite que se faça uma análise isenta do que fomos e do que somos, aquiesço, realmente eu era muito “marrento”, apesar de que não tanto como me julgavam.
Mas, como não sê-lo, principalmente nesta fase da vida em que nos julgamos como se fossemos os donos do mundo, em que ainda não delineamos o que seremos, em que o futuro se nos apresenta como uma estrada pavimentada, arborizada e florida que se estende em direção ao infinito e com o sol radiante brilhando a nossa frente, prenunciando uma noite cálida, de temperatura amena e com um céu pontilhado de estrelas e iluminado por luas cheias e que será passada nos braços da namorada querida?
Como não sê-lo, quando os dias transcorrem serenos e os barcos de nossas existências singram afoitos e intrépidos por mares de almirantes, sem ondas e com os ventos soprando a nosso favor, sem qualquer prenúncio das tempestades que mais tarde enfrentaremos e delas sairemos ilesos, como vencedores? Como não sê-lo, quando sentíamos que nossas almas eram o mundo inteiro, quando já adentramos o universo celeste e, na mansão dos deuses, sentamo-nos à mesa e com eles comungamos e sentimos saciadas todas as fome e sede comuns neste período da vida?
Hoje vejo que realmente eu era muito “marrento”, pois tive o privilégio de namorar, amar e ser amado pelas mais belas meninas de minha pequena cidade, bem como pelas mais belas que acediam para as festas de julho, pelas mais formosas e assediadas meninas nos períodos de férias em Iriri, recanto paradisíaco próximo para onde ia anualmente.
Como não sê-lo, se os deuses bafejavam a nosso favor, permitindo que fosse simultaneamente aprovado em concursos para a Petrobrás e primeiro colocado nos da Álcalis e Banco do Brasil dentre dezenas de milhares de pretendentes, ainda nem mesmo atingida a maioridade? Somente os que viveram suas juventudes nos áureos anos sessenta e setenta podem avaliar o que isso representava, já que era o sonho de consumo maior de grande parte dos jovens que, como eu, iniciava suas vidas profissionais.
E, mais ainda, por pequenas coisas hoje simples que ensejavam que me apresentasse como “marrento”, como, por exemplo, o primeiro a usar “sandálias havaianas” e sapatos mocassim, camisas “goleiro” ou camisas “ban-lon” em Mimoso, minha cidade, o que fez com que muitos, por pura inveja ou despeito, me conceituassem como efeminado, já que à época assim eram chamados os atuais “gays”, além de ser o primeiro a conseguir autênticas calças jeans importadas, já que o comum eram as calças “brim coringa”.
As minhas, compradas de um marinheiro americano a peso de ouro no porto em Cabo Frio, eram motivo de cobiça para muitos nesta época de enlevo com Beatles e Rolling Stones e eram lavadas e passadas somente por mim, que não permitia que outros o fizessem, por puro zelo e ciúmes. Recordo-me de uma vez em que fui ao Rio, com meu pai e, ao voltarmos, ao me ver paramentado e de acordo com os mais elevados padrões da época – mocassins, camisa goleiro vermelha e meus inseparáveis jeans – ele não permitiu que eu entrasse no carro enquanto não me vestisse de acordo com seu conceito de “homem”...
E, para minha enorme tristeza, elas tiveram um fim trágico: ao voltar de uma de minhas viagens em que as deixei em casa, no varal, secando, ao procurá-las não mais as encontrei. Desesperado, ouvi minha mão dizer que as dera ao Expedito, engraxate, pois já estavam velhas, desbotadas e ainda poderiam ter uso para ele... Comprei-as de volta, mesmo que manchadas de tinta e graxa de sapatos e ainda as usei por um bom tempo, mas já não mais eram a mesma coisa.
Somente quem viveu essa época áurea nos anos 60 pode avaliar a aventura que era ir ao Rio de Janeiro, embrenhar-se por ruelas decrépitas e sinistras contíguas à Praça Mauá, à procura de um endereço, que lhe foi fornecido confidencialmente por um amigo, de um elemento mal encarado que lhes venderia autênticas calças Lee ou Levi Strauss contrabandeadas e, mais ainda, circular pelas ruas da cidade com elas ainda embrulhadas e disfarçadas em sacolas de supermercados, ansiando por não sermos pegos, loucos por chegarmos logo em casa e as desembrulharmos e vesti-las pela primeira vez e as ostentarmos, “marrentos”...
Como não ser “marrento”, em nossas doces ilusões de juventude, ao possuirmos o primeiro carro “envenenado” no Estado e com ele participar do campeonato brasileiro de rallye e adentrarmos nosso pequeno recanto à frente de toda a equipe que integrava e, mais ainda, chegar em 13º na prova entre pilotos profissionais e ganhar o troféu de melhor piloto e de equipe? Ah, realmente isto não tem preço...
Por tudo isso ou por somente isso, reconheço, eu fui realmente “marrento” e com muita saudade delicio-me ao lembrar esses tempos vividos e que eram compartilhados com alguns mais jovens de minha cidade que me viam como se um “exemplo” e que eternizaram minhas histórias e estórias, a mim contadas na barbearia do Nézio como se reais. Mas, igualmente devo reconhecer, vendo estas fotos antigas, eu até que era charmoso...
Hoje, quando distante e separado daqueles áureos tempos por cerca de meio século, quando a lucidez que a maturidade nos propicia permite que se faça uma análise isenta do que fomos e do que somos, aquiesço, realmente eu era muito “marrento”, apesar de que não tanto como me julgavam.
Mas, como não sê-lo, principalmente nesta fase da vida em que nos julgamos como se fossemos os donos do mundo, em que ainda não delineamos o que seremos, em que o futuro se nos apresenta como uma estrada pavimentada, arborizada e florida que se estende em direção ao infinito e com o sol radiante brilhando a nossa frente, prenunciando uma noite cálida, de temperatura amena e com um céu pontilhado de estrelas e iluminado por luas cheias e que será passada nos braços da namorada querida?
Como não sê-lo, quando os dias transcorrem serenos e os barcos de nossas existências singram afoitos e intrépidos por mares de almirantes, sem ondas e com os ventos soprando a nosso favor, sem qualquer prenúncio das tempestades que mais tarde enfrentaremos e delas sairemos ilesos, como vencedores? Como não sê-lo, quando sentíamos que nossas almas eram o mundo inteiro, quando já adentramos o universo celeste e, na mansão dos deuses, sentamo-nos à mesa e com eles comungamos e sentimos saciadas todas as fome e sede comuns neste período da vida?
Hoje vejo que realmente eu era muito “marrento”, pois tive o privilégio de namorar, amar e ser amado pelas mais belas meninas de minha pequena cidade, bem como pelas mais belas que acediam para as festas de julho, pelas mais formosas e assediadas meninas nos períodos de férias em Iriri, recanto paradisíaco próximo para onde ia anualmente.
Como não sê-lo, se os deuses bafejavam a nosso favor, permitindo que fosse simultaneamente aprovado em concursos para a Petrobrás e primeiro colocado nos da Álcalis e Banco do Brasil dentre dezenas de milhares de pretendentes, ainda nem mesmo atingida a maioridade? Somente os que viveram suas juventudes nos áureos anos sessenta e setenta podem avaliar o que isso representava, já que era o sonho de consumo maior de grande parte dos jovens que, como eu, iniciava suas vidas profissionais.
E, mais ainda, por pequenas coisas hoje simples que ensejavam que me apresentasse como “marrento”, como, por exemplo, o primeiro a usar “sandálias havaianas” e sapatos mocassim, camisas “goleiro” ou camisas “ban-lon” em Mimoso, minha cidade, o que fez com que muitos, por pura inveja ou despeito, me conceituassem como efeminado, já que à época assim eram chamados os atuais “gays”, além de ser o primeiro a conseguir autênticas calças jeans importadas, já que o comum eram as calças “brim coringa”.
As minhas, compradas de um marinheiro americano a peso de ouro no porto em Cabo Frio, eram motivo de cobiça para muitos nesta época de enlevo com Beatles e Rolling Stones e eram lavadas e passadas somente por mim, que não permitia que outros o fizessem, por puro zelo e ciúmes. Recordo-me de uma vez em que fui ao Rio, com meu pai e, ao voltarmos, ao me ver paramentado e de acordo com os mais elevados padrões da época – mocassins, camisa goleiro vermelha e meus inseparáveis jeans – ele não permitiu que eu entrasse no carro enquanto não me vestisse de acordo com seu conceito de “homem”...
E, para minha enorme tristeza, elas tiveram um fim trágico: ao voltar de uma de minhas viagens em que as deixei em casa, no varal, secando, ao procurá-las não mais as encontrei. Desesperado, ouvi minha mão dizer que as dera ao Expedito, engraxate, pois já estavam velhas, desbotadas e ainda poderiam ter uso para ele... Comprei-as de volta, mesmo que manchadas de tinta e graxa de sapatos e ainda as usei por um bom tempo, mas já não mais eram a mesma coisa.
Somente quem viveu essa época áurea nos anos 60 pode avaliar a aventura que era ir ao Rio de Janeiro, embrenhar-se por ruelas decrépitas e sinistras contíguas à Praça Mauá, à procura de um endereço, que lhe foi fornecido confidencialmente por um amigo, de um elemento mal encarado que lhes venderia autênticas calças Lee ou Levi Strauss contrabandeadas e, mais ainda, circular pelas ruas da cidade com elas ainda embrulhadas e disfarçadas em sacolas de supermercados, ansiando por não sermos pegos, loucos por chegarmos logo em casa e as desembrulharmos e vesti-las pela primeira vez e as ostentarmos, “marrentos”...
Como não ser “marrento”, em nossas doces ilusões de juventude, ao possuirmos o primeiro carro “envenenado” no Estado e com ele participar do campeonato brasileiro de rallye e adentrarmos nosso pequeno recanto à frente de toda a equipe que integrava e, mais ainda, chegar em 13º na prova entre pilotos profissionais e ganhar o troféu de melhor piloto e de equipe? Ah, realmente isto não tem preço...
Por tudo isso ou por somente isso, reconheço, eu fui realmente “marrento” e com muita saudade delicio-me ao lembrar esses tempos vividos e que eram compartilhados com alguns mais jovens de minha cidade que me viam como se um “exemplo” e que eternizaram minhas histórias e estórias, a mim contadas na barbearia do Nézio como se reais. Mas, igualmente devo reconhecer, vendo estas fotos antigas, eu até que era charmoso...