O VALE DE DRUMMOND E SALGADO
Os vales mineiros são muitos. Como o do aço em Itabira, berço do grande poeta Carlos Drummond de Andrade e do Rio doce onde se encontra a Vila Conceição do Capim, distrito do município de Aimorés, cidade natal de Sebastião Salgado, brasileiro reconhecido internacionalmente pelos principais prêmios de fotografia do mundo. Amantes incondicionais da natureza ambos com seus olhares retrataram e escreveram a relação dos seres humanos com seu meio natural e construído. Caso a parte, Sebastião Salgado continua sua obra e viu a lama de uma mineradora cobrir todo seu vale, o que para Drummond renderia muitas poesias como quem sabe a título de sugestão “A vale da pedra e lama a caminho do vale”, Salgado em sua última obra “Gênesis” fotografa um planeta que não enxergamos, mas que vive desde a sua origem. Secções divididas em erupções vulcânicas, tribos nativas, áreas geladas e do Brasil lindas imagens do rio Amazonas e da vida aquática e terrestre do Pantanal. Uma obra prima de um grande profissional que não fica apenas nas fotos. Na prática fundou o Instituto Terra, junto com sua esposa Lélia, outra apaixonada pelo Vale do Rio Doce e suas águas. Casal bem intencionado em cuidar das nascentes, foi em busca dos recursos econômicos para recuperar centenas de nascentes espalhadas pelo vale. Ambientes naturais se recuperam, porém necessita-se de dinheiro. O Instituto tem como patrocinador a empresa transnacional Vale e a anglo australiana BHP Billinton, donas da Samarco. Mas, a Samarco não foi quem destruiu o Rio Doce? Em entrevista à revista Época no dia 24/11/15, Salgado afirma que, as mineradoras não têm culpa sobre a destruição do vale. Para o economista e fotógrafo o vale foi destruído pela agricultura intensiva e o rio pela Samarco. Ainda afirma a importância de continuar a recuperação das nascentes para limpar a água do rio enlameado. Poeta triste, orgulhoso e de ferro, Carlos Drummond de Andrade fez mergulhar na lama despejada não só os mineiros como também os brasileiros. O poeta expressava sua preocupação com a exploração desenfreada do Vale do Rio Doce e como um mau presságio, escreveu em Lira Itabirana: “O rio? É doce. A Vale? Amarga”. Os dois primeiros versos de um total de quatro estrofes de um pequeno poema, mas que pesaram mais do que todo o ferro retirado. A multiplicação do capital pela diversidade dos minerais retratado na segunda estrofe. “Entre estatais e multinacionais, quantos ais.” Sábio revela um ponto de inflexão, quando da exploração se faz aumentar a riqueza de outros e definhar a vida dos demais. “A dívida interna, a dívida externa a dívida eterna” é referência à época de 1984, quando a inflação chegou a 110%, uma hiperinflação provocada pela segunda crise do petróleo. Drummond e Salgado são mineiros apaixonados pela natureza e querem o mesmo para seus vales. Preferem o verde ao descampado, arte a exploração, água ao ferro, os seres humanos ao dinheiro. Contudo, a última estrofe do poema de Drummond nos versos “Quantas toneladas exportamos, de ferro? Quantas lágrimas disfarçamos, sem berro?” Reforça a fragilidade de um povo que ao preferir acreditar numa organização não governamental como o Instituto Terra mesmo que tenha credibilidade, não dará conta de resgatar a dignidade de centenas de pessoas que foram atingidas pela lama. Não se pode berrar, pois suas cidades são dependentes do ferro explorado e toda política local prefere outra tragédia a saída dessa empresa da região, como o próprio Sebastião Salgado relatou a revista Época: “tenho quase certeza de que o meu carro, o seu foram feitos com minério que saiu da Vale”. “O importante é que as empresas sejam responsáveis, e a Vale é”. Drummond maravilhoso, posso-te dizer que vi lá do seu vale lágrimas sem disfarces...
Baltasar Fernandes Garcia filho