MAIS DE MIL PALHAÇOS...
Por: Anderson Du Valle
Enfim, mas um carnaval se vai, o povo levanta-se sonolento, sacode as gotas orvalhadas da madrugada daquela terça, recolhe a dignidade perdida no último refrão do samba, encara a verdade que a ressaca moral estampa na rede social da quarta, mas que contrasta com toda versão das lembranças que restaram naqueles dias de Momo; mas afinal é quarta. Tá na hora de lavar a cara, desinfetar todo aquele sarro tirado, esquecer os beijos roubados e principalmente aqueles entregues de graça, é hora de recolher o que resta dos papeis interpretados e picados nos salões, é hora de reconhecer os amores transitórios, paixões que pareciam eternas, compromissos de serpentina. É hora de voltar, é hora de rever a maquiagem, escolher a mascara da realidade e começar a fingir de verdade. Quantos sentiram-se bem mais a vontade na epiderme das fantasias, no corpo suado de palhaços e donzelas, quantos cavalheiros tornaram-se xucros na virada do ponteiro que os fez cinderelos às avessas, quantos ainda tropeçaram pela manhã em suas peles retiradas e atiradas sem critério em caminhos descritos por sinuosidades, marcando trajetórias repetidas durante a madruga no vai e vem entre a sala, o banheiro e a cama, sem necessariamente seguir sempre esta mesma ordem, quantos gostariam que esse reinado não terminasse assim num tic-tac atroz que os obriga a levantar a cabeça, pesada e dorida, quando ainda os ouvidos surdos ouvem os surdos da avenida e certamente quantos corações ainda repetem aquele tum-tum. Quantos assistiram em posições horizontais, de papo pro ar, a chuva da madrugada se dissipando, trazendo o sol do ano novo, que agora chega impiedoso, contemplando inertes a transformação do glamour das lantejoulas em faturas de papel, que teimam em chegar, e a cruel constatação de que seus sonhos efêmeros afinal, viraram cinzas de felicidade.