Sua majestade, o computador

Já não posso mais dizer que nasci na época errada. Duas gerações, apenas duas gerações atrás, e eu não saberia me comunicar. Porque seria preciso falar, falar sempre e em todas as situações, mas falar é improvisar, e eu não consigo falar coisa alguma sem pensar em tudo o que vou dizer. Falar não admite backspace. Por isso eu me atrapalho, tenho consciência de que me atrapalho, e nada mais natural que então eu evite falar, que fale apenas o necessário. E, no entanto, eu desejo me comunicar, há muitas coisas que passam pela minha cabeça e eu gostaria que de vez em quando elas chegassem a outras pessoas. Poderia escrever, mas escrever para quem, quem iria ler, se todos estavam acostumados a falar de viva voz mesmo? Não, eu permaneceria incomunicável se não fosse o computador.

Seria impenetrável, meu silêncio perturbaria a todos, e isso o tempo inteiro, não apenas naqueles tristes momentos em que escrever não é de nenhuma serventia. Mas agora, de 1995 para cá, existem alguns instantes no meu dia em que eu estou em igualdade de condições com o resto do mundo, se é que não estou melhor, pois eu já escrevia há muito tempo, conhecia as regras, os macetes, e não tive nenhuma dificuldade quando o mundo precisou se adaptar e escrever para continuar existindo. E eu me saio tão bem, e eu me sinto tão à vontade, que seria até estranho se eu não gostasse de passar meu tempo ali, diante de uma tela que não me olha, que não me julga, e que se algo der errado me permite fechar a janela e fugir.

Mas de toda a parte chegarão apelos, sai da frente desse computador, vai dar uma volta, vai conversar com gente de verdade, e sempre vêm de quem não é tímido, ou fóbico, ou feio, ou inseguro, ou desajustado, ou seja, de quem já vivia muito bem antes de ter um computador em casa. Claro, nem por um momento eu negaria a superioridade da vida real, mas tem gente que não consegue, que não sabe como interagir com as pessoas, e aí o computador ajuda, diminui um pouco a solidão, torna a vida um pouco mais tolerável, chega a dar até uma esperança.

Por exemplo, às vezes eu acho que é possível sair do virtual para o real, que o real vai ser um pouco menos difícil se tiver passado antes pelo virtual. Afinal, a pessoa que me conhece pelo computador já viu o meu melhor, o que é bastante improvável para quem me conheça pessoalmente. Terá, portanto, maior tolerância com as minhas hesitações e meus silêncios, sabe que tenho alguma coisa a mais a oferecer do que aquilo que estou mostrando. É possível que assim não se decepcione, só que eu mesmo acho que o real precisa ser tão bom quanto o virtual, e não acontece, são outras linguagens, outros universos, com um eu consigo lidar e com o outro não, não mesmo.

A verdade é que eu frustrado por falar tão pior do que eu digito. Queria realmente ser um só, o mesmo em todos os ambientes, queria abrir a boca com a mesma facilidade que posto uma mensagem nas redes sociais, só que não consigo, e nem sei se esse é o tipo de coisa que eu posso conseguir algum dia. Em geral, eu volto correndo para frente do computador. É apenas diante de um deles, sem ver ninguém, que eu me aventuro a contar essas coisas.

milkau
Enviado por milkau em 11/02/2016
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