AMARGA
 
 
Era a cena de um filme na TV – A Praia do Futuro, com o nosso Wagner Moura. Na cena em questão, um rapaz bem jovem – que no filme interpreta o irmão mais novo do personagem de Wagner Moura – pega uma motocicleta sem autorização do proprietário e sai pelas ruas da Alemanha. Vai parar em uma boate, onde , na cena seguinte, ele está dançando com uma estranha a quem ele beija na boca, enquanto bebe e fuma (e o local sugere o consumo de outras coisitas mais...). A cena me deixou triste, com um sentimento de vazio. Comentei: “Que coisa vazia!”

Pensei nas centenas de pessoas que se “divertem” daquela forma hoje em dia: dançando, em transe, ao som de música extremamente alta e repetitiva, as batidas compassadas funcionando como as batidas de um martelo sobre uma bigorna, os organismos regados a energéticos com bebidas alcoólicas e drogas. A música é o que menos importa. Ninguém está ali para ouvir música, mas para exorcizar seus demônios (ou para invocá-los). Impossível conversar e conhecer alguém em um ambiente assim. Me lembrei que quando eu tinha aquela idade, a gente dançava diferente. Pulávamos, fazíamos passos sincronizados, nos divertíamos... e se bebêssemos, seria apenas uns golinhos para ficarmos mais ‘alegres.’
Sem perder o senso. As músicas que escutávamos tinham letras.

A cena continua, e os dois terminam encostados a um muro em uma parte deserta da cidade, onde transam. Minha sensação de vazio aumentou. Na cena, chega o dono da motocicleta e leva o menino com ele, deixando a menina sozinha, de madrugada, em uma parte deserta da cidade, a fim de encontrar o caminho de casa sozinha.
Ao meu comentário (Que coisa vazia!), responderam: “Você está amarga! Eles só estão se divertindo.”

É. Eu estou amarga. Porque quando eu olho para fora, pela minha janela, as coisas  que eu vejo me deixam assim. Não é falso moralismo, nunca fui moralista na minha vida, mas há coisas demais acontecendo e eu sinto que não estou conseguindo acompanhar a lógica de todas elas. Atrasada demais para os novos tempos? Eu às vezes me pergunto se essa coisa que eu sinto se chama evolução ou involução; afinal, não estou acompanhando o que a maioria chama de evolução, e por isso, sou considerada amarga. Não consigo aceitar algumas coisas que tentam me empurrar garganta abaixo.

Que cada um seja feliz à sua maneira, mas eu me pergunto se essa gente é feliz mesmo. Afinal, o que é felicidade? É essa coisa psicodélica, drogada, superficial e barulhenta, essa mania de não pensar muito em nada, mas seguir o que a maioria está fazendo sem discernir se é bom ou verdadeiro?  Ser feliz é não olhar jamais para dentro de si mesmo, a fim de não ver e nem escutar quando os corações sangram? Ser feliz é entrar na passeata para simplesmente conseguir boas fotografias para colocar na rede social? É encher a cara até vomitar? Porque se for, então eu não quero ser feliz; se for, eu então sou amarga, a mais amarga e retrógrada das pessoas.



 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 11/02/2016
Reeditado em 11/02/2016
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