Armadilha de tartaruga

A floresta encantada ainda está lá, apenas nós ficamos mais longe. Uma história de amor quando o amor decidiu sair para passear. Hoje, novamente, nossa história chegou ao fim e recomeçou e nunca deixou de existir, te falei como queria voltar o relógio para antes. Nos conhecemos e brincamos de amar, de ser mesmo sem razão. Não se foge impune à razão e ela chegou; chegou tarde e machucada, de vestido rasgado e olhar de miséria. A casa já não está tão suja, as coisas aparentemente retornaram aos seus lugares. O quarto ainda está aqui, a casa não explodiu, nenhum elefante passou destruindo nossa sala. Nada.

Existe a dor dentro da dor, as frases flutuam curtas demais para acompanhar o pensamento. A música que toca alta e perdoa a todos, essa também esqueceu de chegar. Te vejo de longe, você vai sangrando para além de minhas mãos. Seu mundo novo é tão mais bonito, é tão cheio de paz, é tão melhor que até eu gostaria de morar lá. Sei que não vou, mas gostaria. Hoje acordei para morrer e não consegui. De novo.

Vou falar de um amor bonito, desses de livros grandes e grossos: Num lugar, num tempo, um homem conheceu uma mulher, perdão, ela não era apenas uma, ela era a mulher. Antes dela, havia solidão e um olhar triste, uma explicação aceitável para cada eco dentro de um apartamento vazio e um homem. Então veio esta mulher e já não havia explicação, não era mais necessária. Ela transformou os contornos escuros da madrugada em dias, ela pintou o apartamento de alegria, ela reformou minha alma. E ela foi meu dia e minha noite, tenho de registrar o quanto que ela conseguiu em tão pouco tempo. Se eu sou e você está me lendo, isso é obra dela! Quando temos o mundo, esquecemos do criador... soa religioso, não? E, em algum nível, até mesmo é. Pois assim eu escrevi:

A tartaruga sonhou-se lebre e acordou um pouco mais rápida hoje. Quando o amor muda, o que que a gente faz? Eu havia me preparado e ensaiado e estudado, e agora, leitor? O amor não acabou, ele apenas mudou de destino. Maldades da modernidade, um celular te conecta para longe de mim. E mais longe, perto de alguém. Fico sem as paredes pintadas de alegria, fico olhando para você sem você. Seu espaço, seu lugar. O mundo gira e machuca muita gente, por que nós seríamos diferentes? As histórias são contadas em tristezas e arrependimentos e eu não tenho nenhum, exceto, eu te me machuquei e, de resposta, você me beijou. Eu me te ignorei e, de resposta, só para ser diferente, você acreditou e me amou um pouquinho mais. Agora, as pedras doem no meu pé, os calos que sangram são os meus e quero continuar andando na mesma estrada que ainda vejo no meio da floresta escura – o encanto decidiu ir embora junto com os passarinhos. Esta estrada, um dia, talvez me permita te reconhecer na multidão vazia de ninguéns. Hoje tenho de andar e a música não encobre os sons de seus dedos rápidos de internet, o sol já não é mais tão constante, e a tela reflete um brilho azul em seu rosto. Tenho de andar para tentar correr e te alcançar antes que você vire a esquina, antes de você mudar o amor. Preciso ser a lebre por um segundo a mais...

As pegadas de elefante mostram o caminho não de nossa sala destruída, mas do que eu destruí sozinho. A casa está arrumada e limpinha, até – fruto de seu esforço e sacrifício. E meu corpo podre começa a feder no pé de sua cama. Espero por você na manhã seguinte, preciso da vida de seu sorriso para sorrir também, penso nas massagens e no soninho e um sorriso escapa em vida novamente. Um segundinho a mais de sol, de amor, de sorriso. O ar enche os pulmões e fecha os olhos, a música precisa ser alta mesmo quando imaginada. Apenas algumas horas e poderei sentir seu sorriso, te fazer o carinho que não tenho coragem durante o dia. Você precisa de outra pessoa para me amar? Minha loucura acha a razão nisso. Ela já chegou, mesmo sendo tarde demais e mesmo depois de eu rasgar seu vestido. A cara de miséria é como um sorriso ao contrário, ela é maquiagem permanente (tenho de saber, fui eu quem a pintei – sabe, na minha memória não existem apenas bons momentos cheirando a pudim de leite condensado, lembro bem das tristezas, incertezas, pisadas na bola, machucados; miséria adora companhia). Falar o quanto te amo é falar espanhol na Espanha, nada excepcional. Ouvir que você ainda me ama, apesar de tudo isso, de elefantes e tartarugas e de misérias maquiadas em razão, é o que me faz ver a estrada. Um segundo a mais e já amanheço ao seu lado, tocando seu rosto e tudo de podre fica esquecido ao pé de sua cama. Então, até amanhã, meu amor.