"QUANDO CANTAVAM AS CIGARRAS"
Comentários no link http://carloscostajornalismo.blogspot.com.br/2016/02/quando-cantavam-as-cigarras.html
Não as escuto porque há 14 anos, estou sempre dopado por Gardenal e Hidantal e depois vários outros remédios antibióticos, fingindo que estou matando as bactérias hospitalares incuráveis antes que elas me matem de verdade!
Elas continuam cantando sim, só que em outras vozes, através de CDs, em rádios FM e não nas antigass rádios AM, “Voz da Baricéia”, Rio Mar, Difusora ou Baré, que tinham suas próprias “Cigarras” e eram disputadas. As “cigarras” e os “cigarros” cantavam como sabiás, como Katia Maria, o seresteiro Salin Gonçalves, com vozes superafinadas, interpretando serestas inesquecíveis. A “Crônica do Dia”, de Josué Claudio de Souza, no horário do meio dia, era antecedida de uma música que ficou tão famosa quanto à voz do locutor, que abordava vários assuntos. Nesse horário, minha avô Lucila pedia a todos os meninos que saíssem da água do Rio Solimões, na comunidade do “Varre-Vento”, reforçando a lenda amazonense de que naquele horário “o boto se encantava virava gente e levava meninos e meninas para o fundo do rio, de onde não saíam nunca mais”. Todos saíam, mesmo não sabendo a razão. Desconheço se todos acreditavam na lenda amazonense. Era um boto que usa chapéu e roupa branca, entrava em festas, dançava e fazia sexo com meninas e voltava para o rio! O horário de meio dia, Manaus parava tudo para se ouvir a “Crônica do Dia”.
Hoje, as “cigarras” não cantam mais como antes faziam, mas permanecem vivas nas memórias dos que tiveram o prazer de ouvi-las e revê-las no documentário “Quando Cantavam as Cigarras”. Que eu saiba, as cigarras pararam de cantar quando o advogado e político da oposição por 26 anos, Francisco Guedes de Queiroz, foi sepultado em 1987, reverenciando-o em sua honradez, seriedade e ética com que exercia duas atividades políticas. Mais tarde, ele virou meu sogro. A cidade de Manaus dos anos 50/60, é destacada em sua música, cinema, teatro, Clube da Madrugada, os concursos de Miss Amazonas, as rádios e mostra as múltiplas funções que exerciam sobre o imaginário dos Amazonenses do passado. Tudo está presente no documentário histórico “Quando cantavam as Cigarras”,organizado, roteirizado e dirigido pelo documentarista amazonense, professor da história, escritor e pesquisador Manoel Callado, com idealização e roteiro de Francisco Callado e José Wellington Ferreira. No documentário, são entrevistados os profissionais do rádio Joaquim Marinho, Gerusa Santos, J. Nunes, Isaac Benerrrós, Francisco Bittencourt, Tenório Telles, Oscar Ramos, Waldir Correa, Ednelza Sahdo, Arnaldo Santos, Carlos Zamith, Edson Piola, Liu Andrade, Kátia Maria, Babby Rizzato, Ronaldson Samuel e Célio Antunes. Todos lembram do passado e referenciaram o que era belo, cada um em sua área de atividade. Liu Andrade, a primeira croner a tocar em uma banda em Manaus, destacou-se porque a cidade ainda era muito machista naquela época.
O professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, Umberlino Brasil, cineastra e autor dos filmes “O que eu conto do serão é isso...(1979) e “Lutas e vidas” (1981), garante que o filme documentário pode servir para se conhecer a história, no seu trabalho “O filme documentário como “documento verdade”. Cheguei a Manaus em 1968, para estudar. Conheci e convivi com muitos dos entrevistados no documentário. Do que narraram nos depoimentos, alguns fatos conhecia porque os vivi como jornaleiro nas ruas de Manaus e passei a conhecer outros por pesquisas que realizei depois de formado, mas não cheguei a vê-los e nem vivê-los!
Conheci e convivi com a atriz Ednelza Sahdo e os radialistas J. Nunes, Waldir Correa, o escritor Tenório Tellles. Admirei muito o primeiro apresentador moreno de telejornalismo da TV Ajuricaba, Célio Antunes; o Arnaldo Santos, em seu programa “AS nos Esportes”, que terminava sempre com três dedos à frente da Câmera e dizendo “seja um bom filho, bom aluno e bom de bola”, tocando em cada dedo e baixando-o. Adolescente, sentado em frente a TV na casa de minha madrinha, Natércia Callado, no Moro da Liberdade, ficava intrigado: como poderiam entrar de uma TV, se eram de carne e osso? Mais tarde, como jornalista, também passei a trabalhar em TV e apresentar programa de Rádio na Rádio Baré. Enfim, sem ter máquina do tempo, voltei ao passado literalmente e adorei rever lugares por onde andei, trilhos de bonde que pisei na praça da Matriz, cheia de palmeiras imperais e paralelepípedos.
No filme documentário revemos coisas que vimos, mas se perderam no tempo, perdendo-o para o progresso. Outras coisas passamos a conhecê-las através desse misterioso túnel do tempo, que não existe, mas se torna real em documentários!