Sertanejos do asfalto


        Humberto Teixeira, Klécius Caldas e Catulo da Paixão Cearense e eu pergunto: que têm os três em comum? Quem leu sobre eles, dirá, sem pestanejar, que os três são poetas e excelentes compositores. Não faltará quem, num discreto assobio, recorde, de Klécius, "Cigarro de palha"; de Humberto, "Assum preto"; e de Catulo, "Luar do sertão".
     Mas não é somente o fato de os três serem poetas e compositores consagrados que os fazem parecidos. Algo mais os torna semelhantes: compuseram música sertaneja, conhecendo pouco o Sertão. O que quero dizer com isso, o leitor logo verá.
          Humberto Teixeira é cearense do Iguatu, distante 300km, em linha reta, de Fortaleza. Iguatu é uma cidade ribeirinha do rio Jaguaribe, o maior rio do Ceará e o rio mais seco do mundo, dizem por aí.
     No Iguatu passei boa parte de minha infância. Ao recordá-lo, sinto saudades dos seus cajueiros, dos pés de cajá, e das novenas da padroeira, Senhora Santana.
     Numa feliz parceria com Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira cantou as belezas do sertão, em inesquecíveis xotes e alucinantes baiões. 
     Mas querem saber de uma coisa?      Humberto deixou muito cedo o sertão do Ceará. Primeiro, morou em Fortaleza. E com 17 anos de idade, mudou-se, de vez, para o Rio de Janeiro, onde  formou-se em Direito e montou seu escritório de advocacia. 
     Foi no seu escritório que o baião nasceu!  
Tudo começou, lembra Luiz Lua Gonzaga, "numa auspiciosa tardinha de agosto de 1954".  Humberto e Gonzaga, este recém-chegado de Pernambuco, uniram-se, e deram ao Brasil um baião chamado  "No meu pé de serra"

        Para Dominique Dreyflus, no seu livro "Vida de viajante: a saga de Luiz Gonzaga",  Humberto Teixeira "afastado do Nordeste desde menino, era mais do asfalto do que do Sertão; ele mentalizava o mundo nordestino, mas não possuía o conhecimento  de Zé Dantas, que vivera por dentro, que levava o Nordeste em si, que era o próprio  Nordeste." 
     Conhecendo ou não o sertão nordestino na intimidade,  Humberto presenteou-nos com bonitas e eloqüentes músicas sertanejas, como, por exemplo, "Xanduzinha", "Juazeiro", "Estrada de Canindé", "Qui nem jiló", "Respeita Januário", "Paraíba" e "Asa branca, sua obra prima".

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     Catulo da Paixão Cearense.
     É filho do Maranhão e não do Ceará. Nasceu em São Luís, no dia 8 de outubro de 1863; e morreu no Rio de Janeiro, no dia 10 de maio de 1946.
     Seu pai, Amâncio José da Paixão Cearense, sim, nasceu na Terra da Luz. 
     Como Humberto, também Catulo viveu pouco tempo no sertão alencarino. Aos 12 anos de idade fixou residência no Rio de Janeiro, na Rua São Clemente, 37.
     Humberto (não o Teixeira) de Campos, sobre a poesia matuta de Catulo, disse o seguinte: "E o que mais espanta, é saber que o poeta não conhece as regiões que descreve."
         Manuel Bandeira, em Poesia do Sertão, assim se refere ao genial Catulo: "É sem dúvida um poetão, um sujeito que fabrica imagens com surpreendente facilidade. Mas é tão da cidade quanto nós outros. Não se confunde com o sertão. É um sertão de saudade o seu."
          Embora distante do sertão, ninguém melhor do que Catulo soube descrever a beleza de uma sertaneja noite de plenilúnio. 
           Lembre-se o leitor da letra e música de "Luar do Sertão", o "hino nacional do sertanejo brasileiro", disse-o alguém.

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Klécius Caldas. Um carioca da gema, mas autor de finas composições inspiradas nas coisas do Sertão nordestino.
          Dou dois exemplos: "O sertão de Jequié", que Dalva de Oliveira imortalizou, e "Boiadeiro", gravado por Luiz Gonzaga, e que veio a ser o "prefixo musical" do sanfoneiro maior, no rádio e nas praças.
          No seu livro, "Pelas esquinas do Rio",  Klécius reconhece que "Boiadeiro" é uma toada "feita por dois cariocas (ele e Armando Cavalcanti) do asfalto. É apenas um lance de sorte de dois estranhos ao assunto, que conseguiram introduzir no repertório do maior compositor e interprete de música nordestina, o seu prefixo, a sua marca de apresentação."
          Os três - Humberto, Catulo e Klécius - cantaram o Sertão, conhecendo-o pouco. Um detalhe de pouca importância diante da robusta contribuição que eles deram àquela que considero a verdadeira música sertaneja. O resto é música caipira; falta-lhe o tempero e a cor do Nordeste.



     

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/07/2007
Reeditado em 17/10/2020
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