AS ÁRVORES GÊMEAS

Lembro-me de que, bem pequena ainda, comecei a cuidar dos vasos de flores de minha mãe. Isso aconteceu de uma forma espontânea, ela nunca me disse que o fizesse. Gostava muito de mudar as folhagens de lugar, carregava-as ora para a beira do tanque ora para perto do galinheiro. Certa vez, levei todas elas para debaixo de uma goiabeira, que era um pouco distante da casa. Este pé de goiaba era próximo a um paredão que ficava coberto de avencas sorridentes e irrequietas, pois entre as suas pedras minava água e oferecia certa umidade ao local.

Cresci assim, envolvida com a natureza. O ambiente em que eu vivia favorecia essa interação. Acho que o meu pai tinha certa vocação para jardineiro. Estava sempre fazendo canteiros e plantando flores. Parece que naquela época elas tinham outros nomes, como: “Sempre lustrosa”, “Brinco da rainha”, “Mimo de vênus”.

E as árvores? Meu Deus, como elas eram respeitadas e admiradas por ele. E ai de quem, por distração, batesse com um facão em seus troncos, costume comum entre as pessoas que andavam com eles na cintura. Ele advertia: “Não vê que você está ferindo a árvore? Cuidado com ela”! Por toda a fazenda havia árvores que ele escolhia para que ficassem para sempre e parece que a sua preferida era a árvore de óleo. Com suas folhas miúdas, de um verde intenso e brilhante, elas são realmente maravilhosas. Havia algumas em pontos estratégicos que distribuíam a sua majestade para os transeuntes que por ali passavam. Eram mesmo majestosas, soberbas, magníficas. Procurei os melhores advérbios para me referir a elas e creio ter sido feliz. Eles as descrevem com precisão.

Essas árvores ainda se encontram lá. Mas uma delas - aliás, não estou sendo precisa, eram duas, pareciam irmãs gêmeas - infelizmente morreram. Foram secando aos poucos, ora um galho, ora outro, até que os troncos ficaram comprometidos com uma imensa bronca. Foram unidas até para morrer, uma não subsistiu a outra. Durante muitos anos só se via os esqueletos resistindo às intempéries, ora aos ventos, ora às chuvas. Eu ficava olhando para eles, lá bem no meio da planície, e uma imensa dor preenchendo o vazio do meu coração.

Aquele local era o que meu pai mais gostava de ir. Talvez por causa da extensão daquelas copas, das imensas raízes que serviam como banquinhos, dos troncos grossos onde recostávamos. Por estarmos distantes da cidade, não era possível participar das missas dominicais, meu pai explicou ao padre a respeito dessa impossibilidade e ele lhe aconselhou a rezar um terço com a família. Talvez por esse já ser o costume de nossa casa, papai teve a ideia de fazer essa caminhada simbólica como se estivéssemos indo até à igreja.

Assim que o sol se aproximava do horizonte e o frescor da brisa começava a se fazer sentir, meus pais reuniam todos nós e íamos pela estrada em direção a essas árvores. Como era bom aquele passeio! Não era tão perto - mais ou menos um quilômetro de distância – e a turma não era pequena: os primos que nos visitavam, os filhos dos trabalhadores que moravam lá e algumas pessoas da casa. Os nossos cachorros não perdiam esse momento por nada e iam fazendo a maior festa. Meu pai mostrava à minha mãe os pastos roçados, o gado, os cachos amarelados do arroz, o verde bonito dos primeiros brotos do milho, o serviço que, durante a semana, havia sido feito. Mamãe sabia apreciar tudo. Por causa disso, ele tinha tanto prazer em passear com ela pela fazenda. Quando chegávamos àquela sombra acolhedora, assentávamos e minha mamãe iniciava o terço. Algumas vezes, eles nos falavam de alguma passagem da Bíblia ou contavam a vida de algum santo.

Minha mãe tinha o dom para catequizar e não perdia tempo. Estava sempre ensinando os meninos da fazenda a rezar e falava da doutrina cristã para eles. Todas as pessoas que passaram pela sua vida, aprenderam alguma coisa. Aquilo nela era algo natural e da sua boca só saíam palavras boas e bons ensinamentos.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 09/02/2016
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