O Ideal da Ribeira Grande
Será o que ‘(…) sonha com a subida à II Liga de futebol.’ (Açoriano Oriental, de 16 de Janeiro de 2016, fl. 20) como bem sonha para alturas do centenário o Presidente Ricardo Moniz da Silva? Será o do comentário de um amigo a uma imagem dos primeiros juniores do Ideal: ‘São os fifis (meninos) da Ribeira Grande?’
Creio que nem nos mais secretos sonhos, os fundadores se atreveram a sonhar tão alto. E, todavia, se nos pudessem porventura ver de onde estão, sou capaz de pôr as mãos no lume, sentiriam orgulho das alturas da Barrosa por terem dado o primeiro passo aos passos que se seguiram: do mais novo atleta das escolas ao mais experiente dos veteranos, das mulheres do futsal, dos dirigentes, de todos. E diriam: OBRIGADO.
Começo por hoje e não por ontem – o que facilmente concordarão -, pela simples razão de que na História de Vida de uma instituição, os passos que se seguem aos primeiros serem tão ou mais importantes que os primeiros. O Ideal tem um começo/nascimento como tudo nesta vida tem, no caso, um começo/nascimento envolto em certezas bem incertas.
Do nascimento até hoje, apesar dos dois primeiros nomes que usou e deste terceiro que agora usa, apesar de ter estado inactivo de 1934 a 1941, sensivelmente, de se ter (con)fundido de 1956 a 1961, sensivelmente, no Futebol Clube Ribeira Grande com o rival Águia que, entretanto, se tornara arqui-rival no embate de celebrados e memoráveis encontros, a Boda do Carneiro, e muitos mais troféus comestíveis, de, por via dos maus resultados, se ter desatado daquela união imposta – via autarquia via Governo Civil -, para os Idealistas o Ideal é o Ideal, não Sport Club Ideal, não Ideal Sport Club, nem mesmo ainda – acreditem -, Sporting Clube Ideal, apenas Ideal ponto final. O que diz tudo do que é, porque Sporting, por muito que se goste, é de Lisboa, não da Ribeira Grande. Nome invulgarmente raro dado por Manuel do Rego, um dos fundadores, que apenas disse: sugeri e concordaram e ficou. Razão? Por ser ideal.
O IDEAL chegou aqui entre outras por três razões: pela estrela da sorte de ter tido quem tem, pela simples sorte das circunstâncias e pelo que fez e foi feito pelo rival. As suas identidades tão distintas como iguais, forjaram-se na diferença e na igualdade, real ou inventada: um da Matriz, o outro, da Conceição, um, os meninos, o outro, os tarraços, um, os cães, o outro, os gatos. Porém, os dois da Ribeira Grande, a ponto de, nas terríveis e cinzentas décadas de 70, 80, 90, os seus feitos terem imposto respeito aos de fora.
Senhoras e Senhores, faço minha a honra do vosso convite para estar aqui a dizer-vos o que já disse e vos conto dizer de seguida. E direi por alto 4 pontos:
1. O Nascimento;
2- A Identidade;
3- A Sociabilidade/Formação;
4- Mudando agora sempre.
1.O Nascimento – É claro como a água da ribeira em dias em que não chove nas Lombadas, que aos fundadores na década de trinta do século passado não terá ocorrido a necessidade de registar a criatura que criavam, porque era dado nascer assim. Nem tão-pouco os Senhores Casacas da rua Direita - Estado e seus representantes na terra ou na longínqua cidade -, viam nisso coisíssima nenhuma de obrigatoriedade. Vivia-se na transição da Ditadura Militar para o Estado Novo, tempo em que se presumiu impor ordem à desordem da I República. Ou, então, se pensaram em registar a criatura, terão feito bem as contas às contas das despesas e às arrelias das burocracias e, vendo bem, decidiram ser preferível ficar por ali.
Nem lhes terá também passado, muito ou nada pela cabeça, qualquer visão diáfana ou epifania futura da criatura que haviam criado. Pronto era assim. Eram um punhado de adolescentes de 15, 16, 17 anos e pouco mais, quase todos da Matriz, mestres ou aprendizes de mestre da Rua Direita de Santo André, que a Câmara mudara para rua Conde Jácome Correia, e das suas travessas até ao Largo de Santo André e da rua da Praça, vizinha do lado poente. Eram o Manuel Morais da Costa, o primo Hermano Grota, os irmãos Guilherme e Manuel do Rego e o José da Silva Tavares. Andaram juntos a juntar o A,B,C e a somar o 1,2,3 na escola do Professor Laurindo Garcia, num edifício de medíocre aparência encostado à pequena quinta onde hoje se ergue a sede do Ideal.
Na altura, havia na terra equipas de peso, de quem eles eram até adeptos, que competiam com outras da terra ou de fora da terra em sítios então bem longe da Ribeira Grande, como então se sentia distar a cidade ou a Lagoa da Ribeira Grande. Havia o Águia, que em 1933, fora finalista derrotado pelo São Pedro da Lagoa numa competição ao nível de Ilha organizada pelo evangélico da bola Manuel Albano de Ponta Delgada. Ou ainda o Estrela e o Artista. O Ideal viria a herdar deles o precioso símbolo, de alguns dos atletas, de dirigentes e a força da terra que as vitórias ou os desaires e a sorte foram trazendo. Aquelas equipas competiram na Associação de Futebol de S. Miguel. Com sede na Matriz. Inclusive o Águia. O Águia fora fundado pela nata local disponível (1925).
Jogar à bola, como se ouvia dizer pelas ruas e canadas da terra, lá para a década de trinta, era actividade de rapaz da rua sem eira nem beira, roçando a marginalidade. Era algo olhado de lado por quem na terra mandava: os pais, professores e padres. Perseguido até. Por ser considerado perigoso. Partia pernas. Cabeças. Vidros. Desviava os jovens das actividades sérias: do trabalho e dos estudos. Ainda é do nosso tempo. Era a paixão sempre. Como há dias li do Pauleta.
Jogar à bola, obrigava a ter um equipamento, uma bola, (chamavam equipa ao equipamento), o que ficava então muito fora do alcance da bolsa rota daqueles primeiros Idealistas mais tesos que o filho pródigo depois de delapidar a herança paterna. Muito menos ainda era vulgar ir a Ponta Delgada, muito menos competir a Ponta Delgada. As passagens eram caras para quem tinha pouco ou nada. No caso do Ideal, o verde e branco resultou de ser assim e não de outro modo: o equipamento verde e branco veio sem que lhe encomendassem coisa alguma pelas mãos de um emigrante regressado da América. Tempos a seguir à queda da Bolsa de Nova Iorque. Já agora o equipamento do Águia era preto e branco.
Bem ferrados no sono ou bem despertos, nem por sombras lhes terá passado pela cabeça, quando se juntavam na garagem (cocheira ou loja de despejos) dos pais do Hermano Grota, primeira sede do Ideal, situada na Rua Conde de Jácome Correia, que um belo dia no futuro o Ideal iria bater-se em pé de igualdade e ganhar às outras equipas da Ribeira Grande, às de Ponta Delgada, às das outras Ilhas ou às do Continente Português. O adepto/partidário (como então se dizia) do Ideal começou então e continuou por muito tempo a trazer três equipas no seu largo coração: O Ideal, a equipa da Ribeira Grande, a equipa de Ponta Delgada e a equipa de Lisboa (leia-se Continente).
Trinta anos, mais ano menos ano, mais dia, menos dia, contados do dia e do ano do nascimento do Ideal, que o rigor é cisma do ofício do Historiador, quando os Senhores Casacas do Governo (Civil/Câmara, etc..) passaram a exigir ano e dia ao dia e ano do nascimento do Ideal, coisa que não lembrara aos fundadores lembrar no dia em que se lembraram fundar o Ideal, houve quem – ninguém sabe quem -, cortasse a sentença como Salomão cortava: dia 2 de Fevereiro, dia da padroeira da terra, Nossa Senhora da Estrela, e o ano de 1931. Veio a calhar lindamente e os Casacas, de contentes, calaram-se. Porém, a primeira prova séria encontrada data exactamente de 21 de Abril de 1933.
Ora nada disso será assim tão sério quando comparado com o que se lhe seguiu: a continuidade e o crescimento do Ideal levado a cabo desde então por dezenas e dezenas de continuadores dedicados de corpo e alma: homens e mulheres. Estas últimas, para não variar, quase sempre na retaguarda mas sempre imprescindíveis. Esquecidos ou perdidos na voragem da ingratidão. Se fundar é difícil, concordarão com facilidade comigo, refundar e continuar o que se fundou será muito mais difícil.
Crises no Ideal, nunca são crises de ideal, pois, se de início se teme pelo fim, logo surgem novos rumos e mais claros horizontes. Trazem novas gerações com novas ideias. Foi sempre assim: em quarenta, cinquenta, sessenta, setenta, oitenta, noventa e por forma daí a chegar aqui.
2.Identidade - Ser idealista, muito embora a cor predominante seja o verde, não coincide em ser-se verde, vermelho ou azul ou de outra cor que seja lá fora, fora da Ilha. Coincide em ser-se da Matriz, da Conceição, da cidade da Ribeira Grande, da Ilha de São Miguel, dos Açores, de Portugal, das diásporas das sete partidas do mundo dos que ainda que daqui tenham saído nunca deixaram de aqui estar. Isso não passou pela cabeça dos fundadores ser algum possível acontecer.
3.Sociabilidade – Em oito décadas, o punhado de adolescentes da rua de Santo André da Ribeira Grande, aprendizes e jovens mestres (entre os quais, um ferrador/ferreiro, um carpinteiro e sapateiro) de suficientes letras, deu lugar a uma pequena multidão que ultrapassa idades, engloba ricos, pobres ou remediados, inclui profissões das mais desvairadas, muito cultos ou nem por isso, envolvendo modos de pensar e sentir a vida de todos os quadrantes da vida.
A sociabilidade deste Ideal gera adeptos e forma atletas e cria cidadãos dignos da terra, que a trazem, prestigiam e honram sempre. Enormidade ou não, será tanto ou mais importante do que os troféus exibidos com merecida prosápia na sala de troféus, os troféus (entenda-se as pessoas) que enforma. O Idealista faz amizades em todos os clubes e, podendo ter arrufos passageiros, não tem clubes com quem não fale.
4- Mudando agora sempre? A cada um de nós de ser a mudança e a herança deste nosso IDEAL. Deixo-o em aberto. É o sonho. É a realidade. O vosso e o meu.
Ao despedir-me, queiram-me perdoar a vaidade de filho que põe de lado a educada modéstia ao dedicar estas linhas à memória do meu querido pai, Álvaro dos Santos Raposo Moura, um SPORTINGUISTA e IDEALISTA dos quatro costados, o homem que sonhou fazer e fez este edifício, abraçando Idealistas deste e de outros clubes neste seu e nosso IDEAL concreto, cuja memória deste raro e corajoso feito morre em cada memória que a vida apaga.
Obrigado PAI: Até à última lucidez da memória que Deus nos der, a memória do que sonhaste e fizeste guiará o meu coração de filho e de IDEALISTA ao dizer e repetir aos teus netos: aqui está também o vosso avô Álvaro.
Mário Moura