Vou Apagar a Luz

Todos os olhos me encaram. Eu, com medo, vou fechando os meus. Mas, no meio desse trabalho interno, percebo que parece existir um tiquinho de coragem em mim, que me impulsiona a deixá-los, em definitivo, semicerrados, encarando o que vem me invadir agora e depois. Vou olhando com cuidado para o terreno, pois sei que o líquido, o gasoso e o sólido não são os únicos de fora que conseguem invadir, intimidar, machucar meu órgão. E, no meio disso tudo, já consigo crescer minha força.

Pego o próximo ônibus e, então, sigo viagem com a minha ansiedade, esta que nem me faz distrair mais com os teatros que acontecem para além da janela. E os pedaços, os minutos vão sendo, sendo. Passo a ser atingido sem intervalo, agora, sem chance de me defender. E as músicas já estão repetidas demais para me abastecer de interrogações, fogo que me arde e me move a persistir no caminho.

E o amor? Ah, André J. Gomes, tenho que aplaudir seu sincero desabafo! Ele não vem numa segunda-feira, e, despindo mais a minha esperança, você finaliza dizendo que nem sempre o amor chega. Desgostoso com isso, chego a concordar contigo. Talvez, nunca consigamos festejar sua vinda. O amor demora – e muito –, gosta de nos fazer esperar e esperar... as semanas vão se despedindo, mas ele, nem por ousadia, atreve-se a nos visitar, nem dá o ar das graças por aí. Numa esquina, talvez.

Eu calo a minha boca, pois, quanto mais aprendo, mais o meu corpo se transforma, mais o chão treme, mais o buraco faz abrigo para mim. Falar poderia provocar um estardalhaço maior. Fico no desgastar dos dias e, quando dou por mim, munido das minhas piores lamúrias, me vejo guardando os meus escudos, choramingando por uma bandeira branca e rezando para que o vento balance ela, pois percebo que o meu egoísmo enrijeceu os músculos do braço para essa tal atividade.

De quatro em quatro, vou escrevendo para a minha própria ambição, fazendo careta, fazendo espetáculos no meu território fantasmagórico e me despedindo... Mas, antes da partida, vou criando monstros, meus defensores internos – já que, sem brio, não gozo mais das armaduras que me enfeitavam. Consigo, assim, abrir meus olhos, aumentar minha força e concluir minha brevidade. Olho à todos. E todos já não me fazem mais mau.

Apago a luz.

Rômulo Sousa
Enviado por Rômulo Sousa em 05/02/2016
Código do texto: T5534535
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