TILZINHO.

TILZINHO.

Era pintado, manchas ovaladas nas pás dianteiras, a calda sempre renitente, abanando para os lados, apontando um lugar qualquer, sempre lambendo o focinho, cujos fiapos de pelos brilhavam ao sol. Era um cão sem pedigree,

filho sabe-se lá de quem, apareceu no luxuoso bairro do Mangabeiras ,

vivia na rua , sempre sentado nas patas traseiras ,observava o movimento das ruas, dava-se de entender que nele um pensamento ajustado se fazia presente. Não tinha nome, era chamado de tilzinho , comia restos nas lixeiras, andava sempre ligado em algum mastigo caído, destes restos de lanche perdidos por estes meninos lerdos, adorava quando as mães diziam : Pega não filho, tá sujo . Era eles virar as costas que ia saciar sua fome. Depois de satisfeito, encostava num canto e agradecia a Deus por permitir as mãos bambas do branquelo, ria seu riso de cão, falava língua de cachorro,pensava o pensamento da raça vira-lata.Nunca teve raiva, exceto quando tentaram pegá-lo para vacinar, ladrou , mostrou os dentes para os idiotas, quando viu o perigo deu nas pernas, até que o movimento cessou, Só mais tarde voltou. Um dia padeceu dum sentimento ruim, estava observando um jardim, curtindo o verde gramado, quando viu a madame cheia de colares puxando por uma coleira que reluzia ao sol , um cão de raça , pensou, decerto filho de Deus, a traz uma criada de saias brancas como neve ,segurando um pires com leite, e uma terceira catando os estrumes do felizardo. Assumiu, teve ódio mesmo, queria ter aquela vida, ser dono de farta comida,ganhar mimos, tomar banho na casa que cuida de cães filhos de Deus, ficou horas remoendo este sentimento ruim, depois ficou olhando a madame volteando a piscina e entrando de novo para sabe lá onde, lá ia o pobre preso a coleira . Agora sim veio um sentimento de dó, pensou , como era pequeno o mundo daquele infeliz ,namorar nem pensar, era um cão sem vida própria.Abanou seu rabinho e saiu na sua liberdade. A velha da esquina deu-lhe o de sempre, pão dormido,comeu, não tinha certeza que iria ter outro prato, a noite já vinha fechando as portas, comeu, olhou a velha com cara de pidão e caiu fora . Foi para o lugar de sempre, dormia entre duas raízes de um grande arvoredo, ali sentia-se seguro. Perdeu o sono , começou divagar sobre a vida dos cães de madame: Nunca iria ter a liberdade da qual gozava, tinha que aguentar a malvada agulha da vacinação, nunca iria arrumar um rabo de saia, nunca teria uma noite na esbórnia , jamais teria uma barrigada de filhotes, tinha banho, leite, laços , mas tinha coleira para limita-lo, não teria seu pensamento próprio, era apenas a fotografia de um cão,sentiu dó, mas não podia consertar o mundo, bocejou, enroscou-se sobre as folhas secas, respirou o ar de liberdade , dormiu.

Divino Ângelo Rola
Enviado por Divino Ângelo Rola em 04/02/2016
Reeditado em 08/05/2017
Código do texto: T5533609
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