Passeio Familiar

A felicidade como concebo é um instante de claridade absoluta, quando cada ato parece estar justificado em sua exatidão e transforma-se, através de ações aparentemente banais, em legítimo estado de paz. A felicidade, enfim, é a confluência ordenada da vida, um arranjo simétrico e precioso que, por exemplo, se dá furtivamente em uma perambulação desinteressada.

Naquela tarde, o passeio me presenteou com a tal felicidade insuspeitada, mas tão pródiga e consistente. Com a mulher e as filhas, sem nossas ansiedades e frustrações, flanamos pelas encostas da rodovia como quatro seres à margem da intensidade angustiante daquela cidade. Em verdade, estávamos livres um pro outro. A fruição verdejante da paisagem compunha um quadro de leveza e nostalgia, de dispersão e comunhão. Éramos felizes não porque exigíamos um do outro a construção de uma unidade harmônica e quase sempre hipocritamente familiar, mas sobretudo porque a harmonia dos delicados papéis que compõe o tecido familiar impunha-se a nós – o pai, livre e redimido; a esposa estável e bucólica e os filhos insistentes de amor e inundados pelos últimos raios do sol.

Empurrava, com comovida seriedade, o carrinho do bebê enquanto o astro-rei sumia sem sua pressa habitual (típica sabedoria dos corpos celestiais) na linha limítrofe do horizonte, dando de si sua última luz divina. Participávamos de uma comunhão ritualística da natureza, em que a derradeira luz vinha abençoar quatro elementos entregues a algo maior, como se preparados fôssemos para a bem aventurança de uma seita secreta e vespertina, criando e comungando da hóstia pacífica do que podemos chamar, enfim, de amor partilhado.

Eis que gozávamos de uma emancipação judiciosa no seio familiar, alimentados por um estado de pureza que nos saciava. Um passeio prosaico em uma tarde de sutilezas que nos era ofertado como dádiva furtiva. E, sim, todos sentiam saborosamente a mesma doçura benéfica que emanava não somente dos grunhidos inocente do bebê, mas também das pausas e silêncios com que pontuávamos nossas conversas.

E assim prosseguimos por mais de meia hora entre algazarras de uma tarde rumo ao seu lusco-fusco redentor. Na fugacidade opaca de minhas tendências meditativas, compreendi religiosamente a beleza cristalina das coisas essenciais. Esta, aliás, chega até nós em breves lapsos de absorção contemplativa, quando por exemplo saímos para um passeio com a nossa família. Nossa Sagrada Família.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 04/02/2016
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