UM CONTO SEM PONTO
Por: Anderson Du Valle
Tarde fria, chuva fina e ela a esperar... dizia o verso da melodia daquela rádio dependurada no poste às proximidades da feira, muito corre-corre pra se livrar do molhado e pouca percepção do entorno, eu estava ali. De moto não dava pra circular, então encostei entre a banca de revistas e a farmácia, uma biqueira me incomodava respingando na perna das calças, mas era tudo o que eu tinha no momento, só torcia pra que ela não engrossasse. Notei uma garota de uniforme escolar, 18 talvez, encolhida próxima a banca de bombons, os cadernos estavam arrumados dentro de uma sacola plástica, o vento frio da tarde lentamente levantava sua saia de normalista deixando transparecer a silhueta de alvas e belas coxas limitando a visão de pernas tão bem torneadas, os cabelos com “Maria–chiquinha” rosa, lhe dava um toque quase inocente à face, não parecia incomodada com o respingo do beiral em sua longa meia, tampouco lhe interessava saber que os sapatos se enlameavam. Durante uns vinte minutos eu a descrevi em meus pensamentos imaginando como a traria para o papel, o certo é que ela não estava lá por causa do coletivo, dois já haviam passado, nem por causa da chuva, já que teria a opção de entrar na lojinha de celulares ou na farmácia, então cada vez mais o que não era da minha conta me intrigava. A chuva já se ia, mas eu não poderia sair de lá sem que o desfecho de minha curiosidade me permitisse; permaneci. Mesmo porque o armarinho em frente, onde iria comprar um zíper permanecesse aberto, sem dar sinais que cerraria as portas. A chuva se foi, as pessoas passaram a caminhar devagar ou saltitantes para livrarem-se das poças, de repente um belo carro tipo sedam, tão niquelado e reluzente que me ofuscou a visão, passou lentamente e parou três ou quatro metros adiante, manteve os vidros peliculados erguidos, deu dois toques na buzina e ela correu... ah! Ela correu. Sem se importar com a água, com o vento ou comigo, ela correu. Minha mente lasciva imediatamente projetou para o interior do veículo um homem de meia idade, provavelmente numa escapada de final de expediente, muita experiência para compartir, um flat de luxo em algum bairro nobre ou uma reserva em hotel discreto na periferia. Que felizardo... ela correu! A sainha de colegial saracoteava com o vento e o movimento, deixando que eu visse bem mais do que apenas o tronco de suas coxas branquinhas. Bem, estava aí minha resposta, seria como eu suspeitava... ela correu! Chegou até o carro onde uma senhora desceu do banco traseiro, abriu um guarda-chuva, em seguida desceu outra mocinha, com livros e uma mochila, a senhora fez algum tipo de recomendação, as duas meninas se abraçaram, o carro se foi, e elas seguiram a pé pela avenida no sentido contrário...