MÁFIA.

"Um dos políticos mais poderosos de Itália, o ex-dirigente socialista Bettino Craxi morreu ontem no exílio, na cidade tunisina de Hammamet, onde vivia desde 1994 para não cumprir as penas de prisão a que foi condenado no seu país. "Ele não morreu, mataram-no", disse a filha. O antigo primeiro-ministro será enterrado na Tunísia.

Bettino Craxi morreu ontem, aos 65 anos, de ataque cardíaco, no seu auto-imposto exílio na Tunísia. Condenado à revelia em Itália em vários processos por corrupção a um total de 27 anos de prisão, o ex-líder do Partido Socialista Italiano (PSI), corria o risco de ser preso se regressasse. Exilado em Hammamet desde 1994, acabou por morrer no país onde se refugiou para escapar à justiça. Em Novembro do ano passado, Craxi tinha sido operado a um tumor maligno e os médicos tinham-lhe retirado um rim.

O todo-poderoso Craxi tinha uma figura que impressionava: alto, confiante, algo arrogante, sabia que tinha o poder de fazer e desfazer governos, de decidir quem seria promovido e quem seria afastado, de determinar a vida das pessoas e o destino do país. O PSI era um partido bastante mais pequeno do que a Democracia Cristã (DC) ou o Partido Comunista Italiano (PCI), mas era o fiel da balança e a DC precisava dele para as maiorias governamentais. O dirigente socialista seguiu sempre a estratégia de marginalizar os comunistas e privilegiar as alianças com a DC.

Craxi foi uma das figuras mais emblemáticas do final da chamada I República Italiana, o período que se seguiu ao fim da II Guerra Mundial e que terminou, no início da década de 90, por entre escândalos de corrupção e revelações chocantes sobre a forma como o país tinha sido governado. Mas poucos terão caído com tanto estrondo como Bettino Craxi.

Os anos 80 foram a sua década dourada. Autoritário, liderou o PSI, com pulso de ferro e durante 16 anos, e foi primeiro-ministro entre Agosto de 1983 e Março de 1987 (o mais longo governo italiano do pós-Guerra).

Na campanha para as eleições de Abril de 1992, Craxi aparecia igual a si próprio: "Há apenas um candidato ao posto de primeiro-ministro e esse candidato sou eu". Esperava-se, de facto, que assim fosse. Mas nem a imprensa nem o próprio líder socialista se aperceberam que a queda estava prestes a começar.

Poucos meses depois surgiram as primeiras acusações de corrupção dirigidas ao seu filho Bobo, responsável pelo PSI de Milão.

A 15 de Dezembro de 1992, Bettino recebeu o primeiro aviso judicial de que estava a ser investigado por corrupção e violação da lei sobre o financiamento dos partidos.A reacção de Craxi foi à medida da sua soberba, em forma de ameaça: "Se me atacarem pessoalmente, se tentarem atingir-me a mim e à minha família, relatarei com pormenores a verdadeira história por detrás do financiamento dos partidos.

"Governado por Craxi durante 16 anos, o PSI era um dos partidos mais profundamente mergulhado em esquemas de corrupção e financiamento ilegal. Mas o dirigente socialista sabia que não cairia sozinho e que era apenas uma peça de uma complexa engrenagem de que faziam parte todos os partidos italianos, grande parte dos políticos, em última análise, todo o país. Só que - e isso ele não conseguiu prever - as suas denúncias transformaram-se em patéticas gesticulações de um homem a afogar-se.

Alguns dos que o rodeavam caíram com ele, é certo, mas outros não. Alguns sujeitaram-se com a dignidade que conseguiram salvar aos julgamentos, outros não conseguiram suportar a humilhação e suicidaram-se.

Os juízes da Operação Mãos Limpas mostraram-se implacáveis e não pararam perante nada. Bettino Craxi decidiu fugir. Em 1993, o último ano que passou em Itália, o jornalista Matt Frei foi encontrá-lo num sofá do "lobby" do Hotel Raphael, junto da Piazza Navona, no centro de Roma. Este era o local onde habitualmente trabalhava quando estava na capital.

Mas, desta vez, era uma imagem desoladora, em mangas de camisa, com a gravata alargada, rodeado de copos vazios, chávenas de café e cinzeiros a transbordar. Fumava constantemente e a cinza caía-lhe na camisa. Nessa altura, havia já dezenas de processos contra ele, por corrupção.

As saídas estavam a fechar-se, os amigos começavam a rarear.A 29 de Abril de 1993, a Câmara dos Deputados impediu a abertura de um processo contra Craxi, protegido pela imunidade parlamentar. Em frente do Hotel Raphael, uma multidão indignada lançava uma chuva de moedas e pedaços de pão contra o líder socialista, naquela que ficou para a História como a cena mais humilhante de todo o desenrolar da sua queda.

No ano seguinte, Craxi refugiava-se na sua casa de férias em Hammamet, na Tunísia. Durante uma semana ninguém sabia dele, as autoridades tinham tentado confiscar-lhe o passaporte e o antigo líder italiano pura e simplesmente desaparecera. Foi a sua mulher, Anna, quem revelou que ele estava na Tunísia, internado numa clínica devido a complicações de saúde provocadas pela diabetes. Tinham começado também os problemas de saúde, que ao longo dos últimos anos se foram agravando. Craxi sempre dissera que considerava a Tunísia como a sua segunda casa.

A partir de 1994, o país transformou-se no seu primeiro, e único, refúgio (a partir de Julho de 1995, a Itália declarou-o oficialmente em fuga). Mas Craxi não desistiu.

Do exílio bombardeava os gabinetes de políticos e juízes em Roma com centenas de faxes, com denúncias e revelações.

Disparou para todos os lados, gravou conversas secretas, explicou que os socialistas precisavam de recorrer a financiamentos ilegais para combater os comunistas, garantiu que "a participação dos grupos industriais no financiamento dos partidos era perfeitamente consciente, voluntária, interessada e muitas vezes planeada".

Apesar de fisicamente longe, Craxi continuava a manter uma influência considerável sobre a vida política italiana, em grande parte através do seu amigo - então em fase de ascensão - Silvio Berlusconi. No final do ano passado, o seu nome voltou a ocupar as primeiras páginas dos jornais italianos. O país discutia se ele deveria ou não ser autorizado a regressar, com a garantia de não ser preso e ter que cumprir as penas a que já fora condenado, para ser assistido num hospital de Milão.

Craxi acabou por recusar uma proposta de tratamento sob vigilância judicial no Hospital San Rafaele."Durante toda a minha vida prestei inúmeros serviços ao meu país", dizia, "e sou tratado como um dos maiores criminosos do mundo."

"P". PÚBLICO, COMUNICAÇÃO SOCIAL.

PÚBLICO. COMUNICAÇÃO SOCIAL.
Enviado por Celso Panza em 30/01/2016
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