A Pena
Ouvia-se somente as batidas do seu coração. Lentas e calmas. Cansadas do tom de mesmice que assumiram ao longo do tempo que, longo, tornara-se também impiedoso.
Com muito custo permitira-se abrir os olhos e a luz do sol que adentrava a penumbra do quarto pelas frestas da janela mal acabada causava-lhe a costumeira dor de cabeça matinal. Retirou os fios do cabelo encaracolado que caíam-lhe por todo o rosto e, como que por reflexo, pegou-se lembrando de quando, com ternura, aquele outrem acariciava-lhe os mesmos cabelos.
Levantou-se ainda tonta pela noite mal dormida, apanhou um cigarro acendendo-o e dando um longo trago como se pudesse, junto com a fumaça, expurgar de dentro de si tudo aquilo que lhe causara dor.
O que conseguiu fora somente mais flashs de lembranças ínfimas que em tempos alhures despontavam em seu rosto os mais sinceros sorrisos e, hoje, de fato, eram apenas memórias.
Inalou um pouco do ar do ambiente e aquele tão venerado e conhecido aroma invadiu seu corpo entorpecendo-lhe a alma. De súbito, um ruído tirara-lhe do transe com a mesma perspicácia que aquele perfume colocara. Uma caixa encontrava-se, agora, caída ao chão e seu conteúdo havia se esparramado aos seus pés. Pegou-se fitando o vazio da mesma, bem semelhante ao do seu coração que agora batia acelerado. Ao seu lado jaziam algumas dobraduras, um marcador de páginas e uma única pena de colibri. Aquele colibri... Por um instante cogitara a ideia de alçar voo e, quem sabe, encontrá-lo pelos ares.
Suspirou pesadamente e, com aquela lágrima solitária, lhe vieram as lembranças das sábias palavras de Pablo Neruda: "Para que nada nos separe, que nada nos una."
Nem mesmo o céu poderia uni-los mais uma vez. E era o que havia lhe restado: o nada. O nada e aquela pena de colibri. Uma pena.