Carmo Perrone Naves (1910)

Luiz Carlos Pais
 
Resumo: O objetivo deste artigo é escrever alguns traços da trajetória de vida educacional do professor Carmo Perrone Naves que conduziu várias gerações de estudantes secundaristas pelos sinuosos e nem tanto exatos caminhos da Educação Matemática. Por mais de meio século ele foi professor de instituições escolares de São Sebastião do Paraíso, uma tradicional cidade produtora de cafés finos do sudoeste de Minas Gerais. Um território outrora dominado por coronéis simpáticos à antiga política do café com leite. Foi neste cenário que o professor Carmo iniciou sua longa carreira docente e na década de 1960 me ensinou a dar os primeiros passos na seara dos números, das equações algébricas e das figuras geométricas. Entre as fontes usadas para refazer essa trajetória estão textos publicados pelo historiador mineiro Luiz Ferreira Calafiori; as memórias do professor Tabajara Pedroso, livros didáticos e cadernos escolares pertencentes ao acervo bibliográfico disponibilizado pela família do professor Carmo Perrone. Suas lições permitiram a base inicial de conhecimentos para que vários de seus ex-alunos pudessem ingressar em renomadas universidades do país, entre os quais muitos deles vieram a se dedicar à carreira do magistério. Assim, a redação deste artigo é um tributo prestado à memória do saudoso mestre. Além de focalizar, em suas aulas de Matemática, os aspectos essenciais dos conceitos ensinados, ele passava aos seus alunos, de forma intuitiva, gestos da arte de ensinar. Como muitos outros educadores anônimos do país, distantes das formalidades acadêmicas, nos dias atuais, se torna imprescindível resgatar práticas e caminhos metodológicos inventados por esses mestres de outros tempos, que tanto fizeram, muitas vezes, com tão poucos recursos.
Palavras-chave: História de professores. Ensino da Matemática. Vida de professor.
 
THE LIFE OF A MATH TEACHER
CARMO PERRONE NAVES (1910 – 2007)
Abstract: The purpose of this paper is to write down some aspects Carmo Perrone Naves’ life which was dedicated to teaching and who became a leader for several generations of high school math students by leading them down the not so accurate paths of mathematics education. For over half a century he was a school teacher at educational institutions in São Sebastião do Paraíso, a traditional fine coffee grain producing town in the southwestern region of the Brazilian state of Minas Gerais. A territory once dominated by colonels supporters of the old “café com leite” government policy. It was against this background that school teacher Carmel began his long teaching career in the 1960s and taught me to take the first steps in the realm of numbers, equations and algebraic geometry. Among the sources used to retake this course there are texts published by the historian Luiz Ferreira Calafiori, also born in the Brazilian state of Minas Gerais; the memoires of school teacher Tabajara Pedroso, textbooks and notebooks belonging to the bibliographic assets kindly provided by Naves family. His lessons have allowed for the initial base of knowledge to which many of his former students were able to join the country's renowned universities, many of whom dedicate themselves to the teaching career. Thus, this writing is a tribute to the memory of this late master. In addition to focusing on his math classes, the essential aspects of the concepts he taught, he intuitively taught his students the art of teaching. Like so many other anonymous educators, apart from the academic formalities, nowadays, it becomes essential to recall practices and methodological approaches devised by these masters of yore, who so often would do so much, with so few resources.
Keywords: History of the life of teachers. Teaching of Mathematics. Life as a teacher.
 
1. O educador e o seu tempo

Carmo Perrone Naves era filho de João Baptista Naves e da senhora Teresa Perrone Naves. Embora tenha nascido no estado de São Paulo, em Santo Antônio da Alegria, cidade situada na região de Ribeirão Preto, foi em São Sebastião do Paraíso que viveu desde a primeira infância. Foi casado, em primeiras núpcias, com a senhora Joana Ricarda de Lima Naves; com quem teve uma filha, a educadora Norma Aparecida Perrone Naves. Sua grande incentivadora e motivo de grande alegria foi sua neta Johanna Angélica de Lima Perrone Naves Abreu, para quem em longeva idade ele ainda exercitava a matemática dando-lhe aulas particulares.

Posteriormente viúvo, o professor Carmo contraiu matrimônio com a professora Maria Margarida de Oliveira Naves, integrante de uma tradicional família de educadores paraisenses cujos nomes estão inscritos na história da educação daquela cidade mineira. Sua filha, Norma também seguiu o ofício do magistério e sempre contribuiu para preservar registros históricos relacionados não somente ao seu pai, mas às instituições de ensino da cidade.

Nos meados da década de 1920, o jovem Carmo Perrone iniciou os seus estudos secundários no antigo Ginásio Paraisense, que na época já se destacava como um dos melhores estabelecimentos de ensino secundário do interior do país, atraindo alunos internos de diferentes cidades mineiras e de outras regiões do país. A direção do Ginásio Paraisense era exercida então pelo professor Tabajara Casas Nogueira Pedroso (1897 – 1987); Bacharel em Ciências e Letras e ex-aluno do famoso Ginásio “Culto à Ciência” de Campinas (SP), estabelecimento cujo currículo fora criado dentro dos mais fiéis princípios do pensamento positivista do filósofo Augusto Comte. O professor Tabajara era casado com a Maria Rezende Pimenta, neta de um abastado fazendeiro e líder político local, coronel Antônio Pimenta de Pádua. Ao assumir a direção do Ginásio, em 1922, o professor Tabajara Pedroso se empenhou para dotar o estabelecimento de um corpo docente competente capaz de responder aos anseios das famílias cujos filhos eram matriculados, visando à preparação necessário para o ingresso nos cursos superiores.

Foi nesse ambiente institucional que o professor Carmo iniciou sua longa trajetória na educação matemática e num momento ainda mais especial, quando o Ginásio Paraisense fora equiparado, por decreto federal, ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, criado para servir de modelo para os demais estabelecimentos de ensino secundário do país. Essa equiparação conferia ao estabelecimento o direito de requerer do governo central a nomeação de bancas de examinadores, nas diferentes disciplinas que constituíam o currículo da época. Esses examinadores, geralmente, eram professores de instituições do Rio de Janeiro, os quais se deslocavam até à cidade do ginásio equiparado para avaliar os seus alunos. Os aprovados recebiam certificados com os quais podiam ingressar nos cursos superiores.

Após terminar o curso ginasial, Carmo Perrone foi para o Rio de Janeiro onde realizou estudos de Matemática, Geografia, Física e Química, ampliando os sólidos conhecimentos acumulados no interior de Minas. Impossibilitado de permanecer residindo na capital da República, resolve dedicar-se ao magistério e aceita o convite do professor Tabajara Pedroso para ingressar no corpo docente do Ginásio Paraisense.

Em sua longa trajetória de mais de meio século de atuação no magistério secundário, ministrou aulas de matemática, ciências e geografia, tendo obtido registro definitivo no Ministério da Educação e Cultura, de que trata o Decreto-Lei no 8.777, de 22 de janeiro de 1946, para exercer o ensino de Matemática do segundo ciclo em todo território nacional; assim como obteve os registros de professor para as disciplinas de Estatística, Geografia do Brasil e Física.

No período entre 1947 e 1966, em decorrência de seus conhecimentos científicos nos campos da Geografia e da Meteorologia, o professor Carmo foi o responsável pela Estação Meteorológica do Ministério da Agricultura, localizada em São Sebastião do Paraíso. Na época, esta estação estava vinculada ao quinto distrito de meteorologia do Estado de Minas Gerais. Assim, além de professor de Ciências e Matemática, o professor Carmo Perrone também exerceu esse serviço de observador meteorológico.

Embora tivesse sólida cultura em várias disciplinas escolares, foi no campo da Matemática em que o professor Carmo mais atuou. Ele iniciou suas atividades docentes no Ginásio Paraisense, em 1928, quando Tabajara Pedroso ocupava o cargo de diretor do estabelecimento. Depois de 1931, quando o professor Lamartine Amaral assumiu a direção do Ginásio, continuou sendo professor de Matemática, assim como durante as gestões dos Irmãos Lassalistas, do padre Vight e do Monsenhor Jerônimo Madureira Mancini. Além de atuar no Ginásio Paraisense, o professor Carmo foi também professor de Matemática de outros estabelecimentos da cidade, tais como o Colégio e Escola Normal Paula Frassinetti, o Seminário Nossa Senhora do Sion e a Escola Técnica de Comércio, instituição esta onde exerceu o cargo de diretor interno e da Escola Técnica em Enfermagem José Maria Alkimin.

O professor Carmo também ensinou Matemática no Ginásio Estadual “Clóvis Salgado”, cargo exercido por concurso público, aprovado em 1966 e por quase duas décadas foi diretor do Ginásio Estadual Paraisense. Na gestão deste estabelecimento, conseguiu instalar, além do curso ginasial, os cursos de Segundo Grau e Normal, sendo que estes dois últimos cursos eram oferecidos em convênio com a prefeitura municipal de São Sebastião do Paraíso.

Além de atuar longos anos no magistério, o professor Carmo foi cidadão atuante na sociedade local, contribuindo para o funcionamento de diferentes instituições. Nesse sentido, foi membro entusiasta do aeroclube de São Sebastião do Paraíso, fundado em abril de 1941, vindo, posteriormente, assumir a presidência desta organização de 1950 até 1967. Foi membro de entidades culturais e científicas, como a Sociedade Geográfica Brasileira, da qual foi membro, desde 1959, tendo recebido desta sociedade, em reconhecimento pelas suas ações educacionais, o grau de Comendador e a Medalha Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon.

Em fevereiro de 1962, por ocasião da comemoração do 55º ano de fundação do Ginásio Paraisense, o professor Carmo foi homenageado com uma medalha de Honra ao Mérito, concedida pelo Rotary Club. Nesta década, como educador interessado pelas mudanças no campo da legislação, participou, em 1967 e 1969, em Belo Horizonte, do Seminário de Implantação da Reforma de Ensino de 1972, como membro da Comissão Municipal de implantação, representando a câmara municipal.

No campo da política, o professor Carmo foi vereador durante cinco gestões, exercendo a presidência da Câmara Municipal de São Sebastião do Paraíso, por quatro vezes, entre 1963 e 1976. No exercício deste cargo político e por ser reconhecido como um eloquente orador, proferiu discurso de recepção ao ex-presidente Juscelino Kubstichek de Oliveira, quando o renomado político visitou a cidade de São Sebastião do Paraíso, em campanha política na condição de senador da República, acompanhado do então deputado Tancredo Neves.
 
Um dos pilares centrais da história de uma instituição escolar consiste na atuação engajada de educadores, como o professor Carmo, que dedicam suas vidas à tarefa de contribuir na educação das novas gerações. Sem a atuação marcante desses educadores que deixam seus nomes inscritos na história da educação, os efetivos objetivos educacionais jamais seriam alcançados e a vida institucional não fluiria. Por esse motivo, ao estudar sinais da trajetória de via profissional do professor Carmo Perrone, somos levados a descrever traços do Ginásio Paraisense.

O esforço empreendido na realização do estudo que originou este texto justifica-se diante da necessidade de resgatar práticas produzidas por educadores de outros tempos e que servem de inspiração para superar desafios atuais da formação de professores. Dessa maneira, estamos diante do desafio de aproximar o universo dos estudos acadêmicos, da realidade das instituições escolares e da prática dos educadores. É o que pretendemos fazer, ao rastrear, pelo menos, alguns traços dos caminhos seguidos pelo professor Carmo, no campo da educação matemática. Com base nesse princípio, ao escrever este artigo, prestamos um tributo ao querido professor, quem inspirou os primeiros passos da carreira docente de vários jovens estudantes.

O vínculo indissociável da história de vida de educadores e das instituições escolares nas quais estiveram vinculados é, na atualidade, um princípio amplamente defendido por vários pesquisadores atuais da história da educação brasileira. No cenário da pesquisa acadêmica cresce, cada vez mais, o interesse pela realização de trabalhos que tenham por objetivo a descrição da trajetória de vida de professores que vivenciaram o domínio de uma disciplina escolar.

Esse tipo de estudo é, normalmente, realizado a partir de fontes preservadas, muitas vezes, por familiares de professores e pelas instituições que, cuidadosamente, guardam documentos amarelados pelo tempo, cadernos, livros didáticos e publicações de outros tempos. Esse valioso material permite levantar traços históricos e contribuem, de forma decisiva, para a realização de pesquisas cuja finalidade é contribuir na formação de professores, articulando desafios atuais com ensinamentos do passado. Assim, além de terem contribuído na formação de outras gerações, com esse tipo de trabalho, pode mostrar aos jovens educadores os sinuosos caminhos da carreira docente.

2. Cenas do Ginásio Paraisense

Anotações históricas redigidas pelo professor Luiz Ferreira dão conta que o Ginásio Paraisense foi organizado, em 1907, pelo padre Aristóteles Aristodemos Benatti, que na época era o pároco da cidade. (Ferreira, 1973) Com o apoio dos políticos locais, grandes produtores de café, o padre Benatti se empenhou para instalar a primeira instituição de ensino secundário da cidade que já se destacava como um grande pólo produtor de café fino do país. Criado para oferecer os estudos preparatórios aos jovens da sociedade local e da região, muitos deles filhos de famílias de cafeicultores, apenas quatro anos após sua instalação, a instituição recebeu do governo mineiro o direito de oferecer, além dos estudos secundários, o curso normal destinado a formar professores para o ensino primário. Este ato foi oficializado pelo decreto estadual no 3343, de 17 de outubro de 1911. Posteriormente, por volta de 1924, quando o diretor era o professor Tabajara Pedroso, os direitos pelo oferecimento desse curso normal foram transferidos às religiosas da Congregação de Santa Dorotéia que iniciaram uma nova linha de atuação na formação de professoras primárias.

Para instalar o ginásio, o padre Benatti contou atuação e com o empenho pessoal do então promotor de justiça da cidade, José Bento de Assis, que na época também exercia os cargos de inspetor de ensino e curador dos órfãos da comarca. A presença e atuação desse ilustre promotor e professor em São Sebastião do Paraíso merecem um destaque, à parte, na história escrita neste artigo, pois, posteriormente, o mesmo viria a ser um renomado intelectual e professor de Latim, cujo nome está inscrito na história da educação brasileira.

A importância histórica do professor Bento de Assis se deve, sobretudo, ao seu engajamento contra a discriminação racial existente em vários colégios da época, que não aceitavam a matrícula de alunos negros. Diversos trabalhos de pesquisas publicados na literatura acadêmica destacam a participação de Bento de Assis em favor da educação dos negros. (Gomes, 2005)

José Bento de Assis (1875 – 1948) nasceu em São João Del Rei, Minas Gerais. Era filho de escravos e graças a sua destacada inteligência e esforço conseguiu iniciar os estudos secundários no Seminário de Mariana. Posteriormente, ingressou no Ginásio Mineiro, em Ouro Preto. Formou-se na Faculdade de Direito de Minas Gerais. Durante o tempo em que atuou em São Sebastião do Paraíso como promotor, também exerceu, por quatro anos, a função de inspetor escolar do município. Como educador, tinha um grande compromisso em zelar pelas questões da instrução pública. Depois de trabalhar em São Sebastião do Paraíso, Bento de Assis foi professor de Latim no Ginásio de Campinas. Em 1939, ingressou como professor do curso preparatório anexo Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 1942. A atuação de Bento de Assis como um dos pioneiros que contribuíram na fundação do Ginásio Paraisense serve de parâmetro para estimar a competência dos primeiros professores que deram vida à instituição.

O jovem Carmo Perrone Naves tinha 18 anos, quando freqüentava as aulas de Ginásio Paraisense e o senhor Emílio Carnevale ocupava o cargo de prefeito de São Sebastião do Paraíso. Corria o ano de 1928. Véspera da devastadora crise econômica de 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque faliu, juntamente com várias outras instituições financeiras dos Estados Unidos e da Europa. O Brasil, com uma economia ancorada na exportação do café, não sairia ileso desse histórico episódio da economia mundial. Mesmo assim, os políticos de São Sebastião do Paraíso entenderam que os cofres municipais tinham condições de custear a construção de novo e majestoso prédio para ampliar as instalações do então renomado Ginásio Paraisense. A qualidade da educação ministrada pelos professores da instituição, nas duas primeiras décadas de sua existência, havia consolidado o seu nome em toda a região.

Era necessário ampliar as instalações do estabelecimento pioneiro de ensino secundário daquela cidade mineira. Na realidade, foi preciso construir um novo prédio, visando atender às exigências estabelecidas pelo governo federal no sentido de manter as regalias da equiparação ao Colégio Pedro II, que havia sido conquistada, em 1926, pelo empenho do então diretor e professor Tabajara Pedroso. Com essa equiparação os estudantes do Ginásio tinham o direito de prestarem, no próprio estabelecimento, os exames de preparatórios os quais poderiam ingressar nos cursos superiores.

O governo central nomeava uma banca de examinadores que se deslocava até à cidade para ministrar os referidos exames. Obter essa equiparação era o grande sonho dos estabelecimentos do interior. A construção de um novo prédio para o Ginásio Paraisense foi uma recomendação do inspetor federal Gilbert Perissé e visava também atender a demanda crescente por novas vagas. O novo prédio tinha dois pavimentos, frente voltada para a rua principal, com um passadiço para interligar ao prédio térreo já existente naquele momento.           

O lançamento da pedra fundamental do novo prédio do Ginásio Paraisense, foto reproduzida pela figura 1, ocorreu no dia 2 de abril de 1928 e contou com a presença do então Presidente do Estado de Minas Gerais, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, que fazia campanha política pela região. Após visitar Monte Santo de Minas, o governador político passou por São Sebastião do Paraíso, lançou a pedra fundamental do novo prédio do Ginásio e se dirigiu à Passos, onde fez uma visita de cortesia ao líder político local, coronel Azarias Lemos. São informações registradas por Tabajara Pedroso, no livro em que descreve suas memórias e os dez anos em que viveu em São Sebastião do Paraíso, de 1922 a 1931, como diretor e professor do Ginásio Paraisense.

Para entender o contexto no qual o professor Carmo iniciou sua trajetória de educador, quando as primeiras idéias pedagógicas do movimento da Escola Nova começaram a consolidar, no Brasil, é importante esboçar traços do cenário político, quando o governador Antonio Carlos era apoiado por um grupo político para ser o próximo presidente da República. Desvelar o entrelaçamento entre práticas docentes e o cenário político na qual as mesmas estão inseridas é um desafio necessário, pois as ações resultantes do engajamento de um educador estão, de certa forma, balizadas pelos rumos maiores da política educacional hegemônica do momento. Por esse motivo, é preciso fazer um sobrevôo pelos acontecimentos do início da década de 1930, quando o professor Carmo iniciou sua trajetória educacional.
A crise mundial da economia de 1929 dada seus primeiros sinais devastadores, mas o Ginásio Paraisense ainda vivia dias áureos resultantes da convergência de uma série de fatores, entre os quais a eficiência do corpo docente da instituição que estava atualizado em relação aos centrais mais desenvolvidos do país; a equiparação ao Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro e a política nacional de subsídios concedidos aos cafeicultores. O governador Antonio Carlos Andrada, desde os tempos em que foi secretário de finanças de Minas Gerais, atuou na defesa dos produtores de café, participando da criação do chamado Convênio de Taubaté, um acordo político firmado entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro em favor da valorização do café.
No campo da educação escolar o governo de Antonio Carlos foi marcado pela implantação de uma reforma liderada por Francisco Campos, nas escolas primárias de Minas Gerais. As ideias principais dessa reforma envolviam mudanças consideráveis na prática pedagógica, com a valorização de métodos mais dinâmicos de estudo, levando o aluno a interagir mais intensamente com os conteúdos estudados. Por esse motivo, o momento em que o professor Carmo Perrone iniciou sua trajetória de educador matemático representou uma mudança considerável, quer seja do ponto de vista dos objetivos, métodos e programas de ensino. No campo do ensino da matemática, essa reforma foi liderada pelo professor Euclides de Medeiros Guimarães Roxo. Diretor do Colégio Pedro II, escreveu vários livros didáticos que deveriam balizar os novos rumos para o ensino da matemática. Nesse sentido, cumpre-nos destacar que o professor Carmo Perrone acompanhou de perto todas essas mudanças, pois estava de posse dos melhores livros escritos por Euclides Roxo.

Em função de acordos políticos, o presidente Washington Luís, empossado em 15 de novembro de 1926, foi levado a apoiar o nome de um político paulista, Júlio Prestes, para sucedê-lo na presidência da República. Essa decisão foi vista pelos políticos mineiros como uma traição ao velho pacto estabelecimento com os paulistas, visando trocas alternadas entre os mandatários supremos do país. Antonio Carlos, candidato natural a ocupar o cargo de presidente, em vista da decisão de Washington Luiz, passou a articular em favor do nome do gaúcho Getúlio Vargas como candidato à presidência. Em 24 de outubro de 1930, faltando apenas 21 dias para o término do seu mandato, Washington Luiz foi deposto pelo golpe militar liderado por Getúlio Vargas, dando início a uma nova etapa da história política do país. Quando professor Carmo contava então com 21 anos, em 1931, as ideias pedagógicas da Escola Nova foram instituídas em nível nacional por meio de uma ampla reforma realizada por Francisco Campos que estava ocupando o cargo de Ministro da Educação.

3. Professores do Ginásio Paraisense

Quando não havia ainda cursos específicos para formar professores, um dos maiores desafios para abrir um estabelecimento de ensino consistia em formar um corpo docente com as competências necessárias. Nesse sentido, foi notável a atuação de Tabajara Pedroso que conseguiu contratar para o Ginásio Paraisense professores egressos de colégios como o Culto à Ciência, de Campinas; Pedro II, do Rio de Janeiro e Anglo-Brasileiro, de São Paulo. Alguns desses professores permaneciam pouco tempo da cidade e retornavam para centros mais desenvolvidos em busca de melhores perspectivas de trabalho.
Entre os professores do Ginásio Paraisense vinculados à cidade por laços familiares, estava Raimundo Calafiori que ensina Física e Química. Membro de uma tradicional família da cidade, Raimundo Calafiori nasceu em 1893 e se formou em Farmácia em Ouro Preto; foi também professor no Colégio Paula Frassinetti e na Escola Livre de Farmácia e Odontologia. Para suprir e problema da falta de professores, Tabajara Pedro decidiu iniciar no magistério jovens residentes na própria cidade, escolhendo-os entre os melhores formandos do Ginásio. Além do professor Carmo Perrone Naves, estavam ainda nessa condição: Norivaldo Nicácio, Sebastião Machado, Antonio de Oliveira Brasil, Silvia Soares e Purcina Pimenta Soares. (Pedroso, 2002)
Tabajara Pedroso transferiu para Lamartine Amaral, em 1931, o contrato de arrendamento do Ginásio Paraisense que mantinha com a prefeitura de São Sebastião do Paraíso, continuando ainda por mais um ano como professor do estabelecimento. No início de 1932, ele mudou-se para a cidade paulista de Batatais, onde assumiu o cargo de inspetor estadual de três escolas normais da região sudoeste de Minas, localizadas em Passos, Guaxupé e Muzambinho. Conforme relata em suas memórias, ele foi convidado a assumir este cargo por Noraldino Lima (1885 – 1951), paraisense que foi diretor da instrução publica e secretário da educação de Minas Gerais, e atuou para o desenvolvimento da classe do magistério e para melhoria do ensino primário.
O Diário Oficial da União, de 22 de dezembro de 1931, publicou requerimento do professor Carmo Perrone Naves, solicitando o seu registro de professor junto ao Ministério da Educação e Saúde Pública. Por cumprir as exigências previstas naquela época o pleito do educador paraisense foi atendido e desta maneira ele se efetivou como professor do Ginásio Paraisense no contexto da reforma Francisco Campos, legislação que deu uma nova organização para o ensino secundário, pelo decreto no 21241, de 4 de abril de 1932.
O ensino secundário passou a ter como parâmetro o ensino ministrado no Colégio Pedro II e em estabelecimentos que funcionassem sobre o regime de inspeção oficial. O ensino secundário foi dividido em dois cursos seriados, o fundamental, com cinco anos de duração e o complementar, com dois anos.
O curso complementar era obrigatório para os candidatos ao exame de ingresso no Ensino Superior. Entretanto, o plano geral de estudo variava em função do curso superior pretendido: ciências jurídicas, medicina, farmácia, odontologia ou engenharia e arquitetura. Para os cursos superiores da área de ciências humanas e sociais a referida reforma não fixou as matérias exigidas nos exames de vestibular, afirmando apenas que “o regulamento da Faculdade de Educação, Ciências e Letras discriminará quais as disciplinas do curso complementar que serão exigidas para a matrícula em seus cursos.” (Art. 8º)

A reforma Francisco Campos estabeleceu que o curso complementar, os dois anos finais do ensino secundário, seria oferecido pelo Colégio Pedro II do Rio de Janeiro e dependendo de uma análise do Colégio Nacional de Educação, por estabelecimentos equiparados ou livres desde que estes oferecessem condições satisfatórias quer nas instalações físicas, na constituição do corpo docente e ainda houvesse garantias quanto à eficiência de seu funcionamento. (Art. 11). Foi nesse contexto que o Ginásio Paraisense foi considerado não um estabelecimento equiparado ao renomado Colégio Pedro II, mas sim um estabelecimento de ensino secundário livre. Para obter o reconhecimento oficial do ensino secundário e poder expedir certificados válidos para os fins legais, o estabelecimento deveria atender diferentes condições, como ter instalações materiais satisfatórias, usar materiais didáticos adequados, bem como ter um corpo docente devidamente registrado no Ministério, entre outras.

O Ginásio Paraisense foi considerado estabelecimento livre de ensino secundário e tendo direito a inspeção permanente pelo decreto 21376, de 9 de maio de 1932, assinado pelo então Ministro da Educação Francisco Campos. O artigo 55 desse decreto previa que aos estabelecimentos que preenchessem condições de qualidade, mediante uma proposta do Conselho Nacional de Educação e aprovação por dois terços de seus membros, seria concedido à inspeção permanente por meio de um decreto do Governo Federal.

“Os estabelecimentos de ensino secundário, mantidos pelos Governos dos Estados ou pela Municipalidade do Distrito Federal, que obtiverem as prerrogativas constantes deste artigo, serão considerados equiparados ao Colégio Pedro II, devendo os respectivos professores ser admitidos nas condições estabelecidas para o mesmo colégio.”
A Reforma Francisco Campo determinou que os estabelecimentos municipais de ensino secundário ou mesmo aqueles mantidos por associações ou particulares, desde que atendessem certas exigências, seriam designados estabelecimentos livres de ensino secundário.

4. Acervo bibliográfico

Em janeiro de 2010, a família do saudoso professor, por intermédio de sua filha, professora Norma, com um gesto de desprendimento em favor da preservação de fontes para a escrita da história da educação brasileira disponibilizou parte do acervo bibliográfico do professor Carmo Perrone para que o mesmo pudesse ser usado por historiadores interessados no ensino da Matemática. Este acervo é composto por cerca de oitenta peças, entre livros didáticos de Matemática, Ciências, História e Geografia, cadernos manuscritos com anotações de lições ministradas no Ginásio Paraisense. Estes cadernos pertenceram não somente ao professor Carmo como também a outros estudantes secundaristas de sua época. A análise desse material revela a antiga prática escolar de anotar as lições proferidas pelos seus professores. No campo das ciências exatas essa prática é ainda mais presente devido aos procedimentos usados na resolução de exercícios ou demonstração de teoremas. Trata-se de um rico material de interesse histórico para subsidiar estudos sobre a evolução histórica da educação matemática escolar, no confronto entre as estratégias docentes e as táticas estudantis.

Várias obras que compõem este acervo são de autores franceses e revelam, assim, a influência cultural exercida pela França na educação secundária brasileira no final do século XIX e início do século XX. Desse modo, essa informação confirma a proximidade do professor Carmo das influências exercidas pelo Colégio Pedro II, instituição criada para servir de modelo aos demais colégios do país. Entre essas obras, destacamos "Exercices de Géométrie Analytique", de Aubert e Papelier; Traité de Géométrie, de Eugene Rouché e Comberouse e Leçons de Géométrie Élémentaire, de Niewenglowski e L. Gérard e o Traité de Géométrie Descriptive, de Thybaut. Todas essas obras foram editadas em Paris, entre 1921 a 1931. De modo geral, tais obras foram adotadas nos melhores colégios do país e assim o ensino ministrado na cidade mineira acompanhava de perto as referências ditadas pelos centros mais desenvolvidos no campo educacional.

Um outro grupo de obras que destacamos no acervo do professor Carmo Perrone Naves é constituído por autores brasileiros que exerceram, a partir dos últimos anos da década de 1920, um papel importante no movimento de modernização do ensino secundário. Entre esses autores são Cecil Thiré, Júlio César de Melo e Souza, mais conhecido como Malba Tahan, Eugênio de Barros Raja Gabaglia, Arão Reis e Euclides de Medeiros Guimarães Roxo.

Este último foi diretor e professor do Colégio Pedro II e partir da influência que exercia procurou difundir no Brasil ideias educacionais do matemático alemão Félix Klein, visando modernizar o ensino secundário em sintonia com as demandas do início do século XX. Após o predomínio exercido durante o século XIX pela visão humanista e literária, o novo século exigia uma formação secundária mais científica e o professor Carmo estava de posse de obras atualizadas em relação ao seu tempo, particularmente, no que diz respeito aos rumos sinalizados pelo primeiro movimento do século XX de modernização de ensino secundário da Matemática.

Entre os livros usados pelo professor Carmo, estavam uma dezena de Tábuas de Logaritmos, publicadas entre 1919 a 1981. Embora, atualmente, essas tábuas não sejam mais usadas, pois as calculadoras e computadores as trazem armazenadas em suas memórias. Entretanto, essas obras têm grande valor histórico porque permite conhecer os caminhos percorridos pelos educadores matemáticos do passado e assim permitir melhor compreender os desafios do presente. É possível ainda identificar no acervo obras de Estatística e de Matemática Comercial e Financeira, as quais eram usadas em disciplinas ministradas na Escola Técnica de Comércio São Sebastião.

Entre as obras do acervo estão ainda duas teses de concurso de autoria do educador Tabajara Pedroso (1897 – 1987), quando este concorreu à cadeira de Aritmética e Álgebra do Ginásio Estadual de Campinas. Uma dessas teses intitula-se Teoria dos Limites e Análise Combinatória e a outra Operações com Erro. Conforme relata em suas memórias, o primeiro título havia sido determinado pela congregação do estabelecimento e o outro foi de livre escolha do candidato. Essas duas teses foram impressas, em 1929, em uma tipografia de São Sebastião do Paraíso, pois nessa época Tabajara Pedroso exercia o cargo de diretor do Ginásio Paraisense.

Esse concurso do qual o professor Tabajara Pedro participou foi realizado para preencher a vaga deixada pela transferência do professor Perez y Marin, catedrático do Colégio de Campinas, para São Paulo. A cadeira estava vaga há dois anos e no primeiro concurso nenhum candidato havia sido aprovado. No segundo concurso, vários candidatos se inscreveram, mas, com as desistências ficaram apenas Tabajara Pedroso e Ernesto de Oliveira Filho, filho de um ex-professor do Ginásio. O professor Tabajara foi aprovado em segundo lugar com a nota 75/6 e o outro candidato foi aprovado, em primeiro lugar, com a nota 81/6, portanto, com uma pequeníssima diferença.

Traços da formação cultural do professor Carmo Perrone podem ser deduzidos com base nas obras com as quais ele convivia em sua biblioteca. Nesse caso, gostaríamos de destacar as bases filosóficas de sua formação intelectual reveladas por obras tais como Le mystère des nombre e des formes, de Marcel Boll, publicada em 1940 pela Larouse, de Paris; Lógica Elementar. Vieira de Almeida. Livraria Acadêmica. 1944; Conceitos Fundamentais da Matemática, de Bento de Jesus Caraça, publicada em Lisboa, em 1970 e Introdução à Filosofia da Matemática, de Bertrand Russel, publicada em 1966 pela Editora Zahar. Um reconhecimento do domínio do educador matemático paraisense nesse tema foi o convite recebido para proferir, em 1974, aula inaugural sobre “Filosofia da Matemática”, no Departamento de Metodologia Científica da Universidade de Ribeirão Preto
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Referências Bibliográficas

FERREIRA, Luiz. São Sebastião do Paraíso: História e Tradições. Editora Resenha Tributária. São Paulo: 1973.
GOMES, Flávio dos Santos. Negros e Política (1888 – 1937) Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2005.
PEDROSO, Tabajara Casas Nogueira. Vida de Professor: Autobiografia. Editora Fumarc, Belo Horizonte: 2002.