Copo d'água

Era um dia quente de janeiro. Desses dias em que você questiona qual a necessidade de tanto sol atingir a Terra. Castigo? Foi então que me veio à mente um objeto prosaico entre nós, mas despertador assíduo do meu deslumbramento, especialmente em dias acima dos 30ºC: o copo de água mineral. Porém, não quero falar somente da água que sacia a sede. É muito bem vinda a sua finalidade, claro, mas eu costumo admirar o conjunto da obra: o toque, o volume, a matéria e a representatividade.

O fascínio é antigo. Talvez a primeira vez que o tenha visto foi numa viagem para qualquer lugar. Acostumado em casa à água fortemente clorada que vinha das distribuidoras estatais, o paladar da água mineral surgiu com uma leveza quase santa. Aquele líquido certamente viria de alguma grande cachoeira antes intocada pelo homem, cercada por um verde abundante e tropical. Talvez até um arco-íris decorando ao fundo. Um tesouro resguardado pela natureza – enganava-me insistentemente a minha imaginação. Possivelmente a arte gravada na embalagem tenha ajudado nessa fantasia.

Mesmo passado os delírios infantis o objeto continuou sendo admirado. E um dos motivos é a singela estrutura que a protege. Note o brilho metálico de seu selo, constituído de alumínio e polietileno. Lembra-nos que até os materiais mais vulgares podem também ser belos. Observe ainda como o sol trabalha, evidenciando uma infinidade difusa de pontos pratas e brancos, numa confusão estranhamente harmoniosa. Uma beleza que permite ser exponenciada por gotas de água repousadas, que simulam orvalho em folha. Mesmo sendo tão débil, a ponto de ser facilmente rasgável, destacar o selo da embalagem surpreende-nos com um prazer tátil. Esse deleite já começa quando vencemos a resistência de uma fraca cola posta nas bordas, o que antes garantia a inviolabilidade da estrutura. Posterior vem o som do selo desfalecendo sob o domínio das nossas mãos pesadas e deletérias.

Ao seguir da retirada total, aquela fina película lhe surpreenderá com um água acondicionada em um volume calculado para a sua sede. E note como o copo de 200 mL apresenta o confortável tamanho para ser abraçado pela sua mão. Em uma honestidade não proposital, a embalagem lânguida do copo ainda te transmitirá a temperatura exata da água, comunicando o que te espera e já iniciando a sensação prazerosa antes mesmo do toque mais desejado: aquele quando você sorverá um gole que cairá em sua garganta como uma benção. E quando a água lavar sua boca e alma, você agradecerá aos céus, maravilhado por um molécula inorgânica tão simples ser tão bem recebida em seu corpo, num dia ensolarado de janeiro.

Di Ramos
Enviado por Di Ramos em 27/01/2016
Código do texto: T5524863
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