Thomaz de Affonseca e Silva (1884)

Luiz Carlos Pais
 
Natural de Paracatu, Minas Gerais, o cônego Thomaz de Affonseca e Silva era membro de uma família de descendentes de três irmãos portugueses que embrenharam nos sertões mineiros para tentar fortuna com a exploração de ouro, no final do século XVIII. Foram exitosos e compraram grandes extensões de terra. Após o esgotamento do garimpo de aluvião, dois dos três irmãos embrenharam em outras regiões de Minas. Um deles foi desbravar para os sertões do Desemboque, outro para Araxá, e o terceiro ficou em Paracatu. Consta que quando se tornaram donos de grandes fazendas, os três irmãos eram homens generosos com as pessoas mais humildes.

É de se destacar que os irmãos portugueses eram abolicionistas, tinham por princípio alforriar, na pia batismal, crianças escravas do sexo feminino. São raízes distantes que explicam os ideais abolicionistas do cônego Thomaz, que estudou no Colégio do Caraça, de onde saiu para ingressar no Seminário de Mariana. Depois de ordenado, serviu em várias paróquias antes de ser nomeado pároco de São Sebastião do Paraíso, onde redigiu um artigo sobre o casamento de escravos que foi publicado na imprensa do Rio de Janeiro.

A ênfase destacada pelo padre abolicionista, no artigo acima mencionado, consiste em chamar atenção para o conteúdo do que previa a constituição do Arcebispado da Bahia sobre o direito dos escravos receberem na Igreja o ritual do casamento. Por outro lado, a referida constituição era adotada como referência na Diocese de São Paulo. No entendimento do autor, os padres não poderiam esquecer o parágrafo 303, cujo objeto era o matrimônio dos escravos. O texto foi publicado em um jornal católico do Rio de Janeiro:
 
“Conforme o direito Divino e Humano, os escravos e escravas podem casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores não podem lhes impedir o direito ao matrimônio, nem fazer uso dele, em tempo e lugar conveniente, nem por este respeito os podem tratar pior, nem vendê-los para outros lugares remotos, para onde o outro, por ser cativo, ou por ter outro justo impedimento não possa seguir. Se seus senhores fizerem o contrário pecam mortalmente, e tomam sobre suas consciências as culpas de seus escravos, que por este temor se deixem muitas vezes estar e permanecer em estado de condenação. Pelo que lhes mandamos e encarregamos muito, que não ponham impedimentos aos seus escravos que modo a impedir que eles se casem, e nem com ameaças e mau tratamento lhes encontrem o uso do matrimônio em tempo e lugar conveniente, nem depois de casados os vendam para partes remotas de fora, para onde suas mulheres, por serem escravas, ou terem outro impedimento legítimo, não os possam seguir. E declaramos, que posto que casem, ficam escravos como antes obrigados a todo serviço do seu senhor. Mas o sacramento deve ser administrado somente se eles estiveram capazes. Mandamos aos vigários, coadjutores, capelães e quaisquer outros sacerdotes do nosso Arcebispado, que antes que recebam os ditos escravos e escravas, os examinem para verificar se eles sabem a doutrina cristã, ao menos o Padre Nosso, Ave Maria, Creio em Deus Padre, Mandamentos da Lei de Deus e da Santa Madre Igreja. Também deve-se verificar se entendem a obrigação do Santo Matrimônio, que querem tomar, e se há intenção de permanecer nele para serviço de Deus e bem de suas almas. Mesmo que eles não entendam estas coisas, devem ser acolhidos até saberem e sabendo-as os recebam. (...) Conformando-nos com a Bula do Papa Gregório XIII, de 25 de Janeiro de 1585, mandamos que todos os párocos, quando receberam alguns escravos dos novamente convertidos, em que haja suspeita de que não estão casados na sua terra – posto que não sacramentalmente – com eles dispense no dito antigo matrimônio. São Sebastião do Paraíso. Cônego Thomaz de Affonseca e Silva.” [O Apóstolo, Rio de Janeiro, 25 de Janeiro de 1885, p. 4]

Estando com problemas da visão, cônego Thomaz resolveu fazer uma viagem à França, onde pretendia fazer um tratamento especial da época. Com essa intenção, viajou para a corte do Rio de Janeiro, onde deveria embarcar. Infelizmente, foi acometido pela febre amarela e veio falecer no dia 31 de agosto de 1889. Faltava menos de três meses para terminar os tempos do Império. Para finalizar, entendemos que o engajamento do cônego Thomaz de Affonseca e Silva em favor da luta pela abolição da escravatura, sua posição no plano do direito canônico em favor dos escravos, na fundação pioneira de um Gabinete de Leitura em São Sebastião do Paraíso e de uma escola noturna para alfabetização de adultos envolvem motivos para um trabalho bem mais amplo do que as poucas frases desta reduzida biografia didática.

Campo Grande, MS, 22 de Janeiro de 2016