NO TEMPO DAS...! (uma viagem no tempo de ontem)
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No tempo das catraias pintadas com cores fortes, canoeiros musculosos cruzavam os muitos igarapés de Manaus, levando passageiros e mercadorias. Também no tempo das catraias, as carroças disputavam espaços com ônibus, muitos construídos nas próprias garagens sobre chassi de caminhões e ainda com muitos fuscas. Todos se respeitavam e circulavam nas vias de paralelepípedos. Era o ano de 1968. Um ano antes do deputado federal Francisco Pereira da Silva apresentar e ver aprovado o projeto de criação do projeto Zona Franca de Manaus, implantado pelo Governo Militar dez anos mais tarde, Os pouco mais de 300 mil habitantes do Amazonas, pisavam em cima dos trilhos dos bondes na praça da matriz, cheia de palmeiras imperiais. Dentro de um táxi fusca, com um bilhete na mão escrito pela minha mãe e entregue ao motorista, cheguei à casa de madrinha Natércia Calado, no Morro da Liberdade, onde passei a morar, até que a família vendesse a propriedade na comunidade do Varre Vento e adquirisse outra em Manaus, no bairro da Betânia.
No tempo das catraias, carroças, fuscas e espressos, os chamados espressinhos – kombis que trafegavam e transportavam passageiros; os ônibus não faziam linhas para todos os bairros na época. A Manaus de 68 era uma cidade quase sem pontes e as poucas que existiam, haviam sido construídas pela orientação do secretário de obras Fileto Pires, e depois substituto do governador Eduardo Ribeiro na condução do Estado. Todas as pontes eram em estrutura de ferro, importadas prontas da Inglaterra e em Manaus montadas, como se fosse um quebra-cabeça, no tempo áureo da borracha. No tempo das catraias, expressos, fuscas e carroças, circulavam também pelas ruas de paralelepípedos de Manaus, poucos ônibus das empresas Bons Amigos, Nosso Transporte. Ana Cassia. Monte Ararate e outras que o tempo não me permite lembrá-las. O Café do Pina e os Pavilhões Universal e São José, disputavam as preferências dos boêmios, escritores e outros intelectuais que os frequentavam. Vendia jornais em Manaus e passava por cima de trilhos de bondes, sobre paralelepípedos, na praça da Matriz toda vez que deixava a calçada dos Correios e seguia para prestar contas dos jornais vendidos e dos que devolvia, com o X-9, no Pavilhão Universal. Ele sentado em um banco de madeira, para aguentar seu enorme peso. De um lado e de outro do Pavilhão Universal, ônibus e táxi, estacionavam, nas ruas de paralelepípedos. Caminhava na sombra das centenárias palmeiras imperiais, em frente a praça da Matriz, derrubadas para a construção da estação central de ônibus da cidade. Embaixo da escadaria que dava a Igreja, existia um minizoológico, e os “retratistas lambe-lambe”, ganhavam dinheiro com as pessoas que frequentavam o local e depois, “batiam” fotos sentadas na grama. Ah, que saudades!
A cidade era calma! Alguns ladrões roupas frequentavam as casas, roubavam botijas de gás, roupas estendidas nos quintais. Além disso, nada faziam. Na época, quase sem água encanada nas casas e com novos bairros surgindo, por pura necessidade das famílias, era obrigatório a abertura de poços profundos geralmente ao lado de sanitários no quintal. A água deveria ser poluída, mas quase não se falava nisso. Atravesses de catraia para buscar água para beber no bairro da Cachoeirinha, acompanhado do Chaguinha Calado, filho da madrinha, que nascera no mesmo ano que eu. Em 1969, começaram a se instalar as primeiras fábricas no Distrito.. A sede da Suframa funcionava na rua Leonardo Malcher, onde hoje se localiza a sede do Sebrae e os times do Rio Negro e Nacional disputavam as preferências dos torcedores e enfrentavam os times grandes do Rio ou São Paulo, de igual para igual. Muitos jogos os times do Amazonas venciam e outros perdiam, mas o importante era que no dia seguinte, vendia poucos ou muitos jornais. Todos queriam saber pelos jornais os resultados dos jogos!
No tempo do futebol no Parque Amazonense e existia o jogador Campos. Depois veio emprestado do Atlético Mineiro para o Nacional, o jogador Reinaldo. Não havia um jogo que um ou outro não marcassem gol. Quando não marcavam, vendia poucos jornais na banca em frente a Ótica São Paulo, localizada nas esquinas das Avenidas 7 de Setembro com Joaquim Nabuco. O jogador Fausto, era zagueiro do Nacional. Diziam tinha um futebol elegante e que raramente quase não fazia faltas para merecer cartões amarelos ou vermelhos e ser expulso. Depois se elegeu por um mandato deputado estadual, com nome de Fausto Souza. Seu irmão Carlos Souza, com quem tive o prazer de trabalhar, era despachante de veículos, na rua Henrique Martins. Depois foi professor de biologia no colégio Militar de Manaus, apresentou programa de TV, com seu irmão Wallace Souza. Entraram em política e se elegeram deputado estadual e federal, respectivamente, por mais de um mandato. Carlos Souza, também foi vice-prefeito de Manaus. Ele, quando sabia que o Fausto jogaria, sempre assisti-lo no Parque Amazonense. Fausto era uma atração. Na véspera das disputas do Rio X Nal, havia a “guerra de bandeiras”. Pessoas desfilavam em carros abertos pelas ruas de Manaus, defendendo suas paixões. Era uma farra! Vendia muitos jornais no dia seguinte. Os jogos eram uma das maiores paixões na vida pacata dos manauaras, ao ponto de se ir aos muitos cinemas, só para ver o resultado dos jogos dos times paulistas e cariocas pelo Canal 100 de Carlos Nyemaier. Fazia fila na porta dos cinemas, o Guarany e o Polytheama, ficavam quase um do lado do outro, sendo um em uma esquina e o outro. O Guarany de frente do Café do Pinam na Getúlio Vargas e o Polytheama, na avenida 7 de Setembro. As duas ruas se cruzam e também eram com revestimento de paralelepípedos, por onde trafegavam os bondes de Manaus. Todos pertenciam a família de Adriano Bernardino, que também empresariava conjuntos musicais famosos na cidade!
Ah, Manaus, como sinto saudades de você nessa época. Ficava sentado no sofá, ouvindo músicas que precediam a entrada no ar da TV Ajuricaba, da família Abdul e Sadie Hauache Anos depois, vim a saber que toda a seleção musical era feita por Mágida Hauache, Ah, minha Manaus, você tinha tudo para se transformada na nova Veneza brasileira, como Recife foi. Não permitiram e lhe modificaram. Aterraram seus igarapés de água doce. Hoje é uma cidade bonita. Sem memórias do que fora seu passado. A minha está para partir e não terei mais como registrá-la em tod sua plenitude e belezas bucólicas que me fascinaram quando avistei suas primeiras luzes do motor que me transportou para a capital, deitado em uma rede armada em cima do motor. Desci no porto que permanece o mesmo até hoje e fui abraçado pelos ouvidos doloridos do barulho da embarcação, pela voz potente e prazerosa do locutor Kimura, ex-lutador e proprietário da “Voz Praiana”, que anunciava avisos de chegada e partida dos barcos regionais.
Ah, quanta coisa mudou para pior em minha Manaus, mas elegeu políticos e, isso, embora não seja o mais importante, rendeu dividendos para muitos e a cidade não é mais a mesma, infelizmente! Não condeno o progresso que é inevitável, mas poderia seguir sempre ao lado da preservação das memórias do passado que hoje quase ninguém sabe que um dia existiram e me fizeram feliz, mesmo na pobreza em que vivia!