Quem não se comunica não se liberta

Gurupá, 13 de março de 2006.
(versão atualizada em 25 de janeiro de 2016).

Caríssimos:


Eis que conheci os rádios SSB. Um projeto elaborado e finalizado no ano de 2000 proporcionou a compra de dezesseis terminais de rádios amadores de longo alcance para serem instalados no município de Gurupá. Placa solar, bateria, amplificador (se for o caso) e aparelho SSB propriamente dito foram os componentes de cada kit. Treze comunidades do interior, duas instituições na sede do município e uma na cidade de Belém do Pará foram os pontos escolhidos como pontos chaves de comunicação, cuja freqüência é fechada. Em tempo: licenciado pela ANATEL.


Foi uma verdadeira revolução. Espalhados estrategicamente por Gurupá, os rádios ajudaram a dirimir o isolamento entre comunidades. Mais do que isso, auxiliaram entidades como o Sindicato de Trabalhadores Rurais local a melhorar seu atendimento, facilitar as atividades da ONG FASE (na qual eu trabalhava), fazer lideranças se conhecerem um pouco mais entre si.


Socialmente, a comunicação interna municipal tem sido fundamental no atendimento médico aos produtores agroextrativistas pela secretaria de saúde. Parentes passaram a saber de detalhes sobre o falecimento de entes queridos e conhecidos, homens tiveram a felicidade de saber que eram pais, negócios foram fechados, invasões madeireiras foram avisadas, articulações mil foram feitas, otimizando e dinamizando as ações do movimento popular.


A listagem de vantagens gerada pelos rádios SSB é grande, não cabendo aqui a descrição de sua totalidade. Desde conversas sérias, agoniadas ou de trivialidade, as informações se multiplicam no início da manhã e final de tarde de todos os dias. Com o devido respeito às normas de conduta para o bom uso do aparelho, tudo se fala e tudo se liberta.


O pai vigia diariamente o filho que mora na floresta lá da cidade. O comunitário quer saber que dia é o treinamento tal. Curiosos querem se antecipar no conhecimento das eleições municipais. Informação é poder. Gurupá ficou poderoso. Bom silogismo. O que é interessante é que o orçamento do projeto que obteve os rádios foi aproximadamente R$100.000,00, envolvendo além dos equipamentos, despesas com deslocamento e pagamento do técnico que realizaram as instalações. Existem aparelhos que nunca necessitaram de conserto, desde a sua aquisição. Telefones avançados da EMBRATEL vivem no “prego” e algumas vezes abandonados em sua manutenção pela empresa. Não entendo como se aplicam recursos em micaretas e festivais de músicos para apenas uma noite, cujos mesmos gastos poderiam estruturar o meio rural de alguma forma. Atualmente, cada par de rádio licenciado custa R$13.600,00 (valores do ano de 2015 - peguei tais os preços da loja C Borges, em Manaus).


Apesar da praticidade e funcionalidade, pouco se avançou em termos de radiofonia. Tá certo, chegaram os aparelhos celulares, mas para quem soube da história de uma localidade chamada “Só Jesus” de tão longe de sua sede municipal, vejo que há muita demanda, mas pouca vontade governamental em disseminar o bom e velho instrumento de informação: o rádio. A comunicação é infelizmente um sonho de consumo de inúmeras comunidades locais para se enxergarem mais livres, pois assim como acontece com quem não se alfabetiza, quem não se comunica, não se liberta.


(versão original no e-livro Passagens Marajoaras e de Outros Rincões - http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4052483 )