Deixando a casa

Naquela noite, quando o advogado apareceu , encontrou um homem de trinta e quatro anos estudando no jardim de inverno, preparando-se para o vestibular, com livros esparramados pela mesa. Estudava por conta própria, desde o início do ano, e agora o exame estava às portas, o dinheiro era curto para um cursinho, e teria que ser desse jeito.

Casado e com três filhos, pagava o aluguel direitinho ( era sagrado), mesmo assim a proprietária queria o imóvel, pois era a única oportunidade que tinha para garantir sua aposentadoria, e pelo tamanho do terreno uma incorporadora se interessara, na intenção de fazer um prédio.

Ela achou que lhe daríamos trabalho, a casa era no mesmo quarteirão onde meus pais moravam, e havia escassez de imóveis para alugar naquela época. A lei do inquilinato dava algumas garantias ao bom pagador, e no fundo ela sabia, mas apostou na minha pouca experiência, e forçou.

Morávamos nessa casa faziam cinco anos, desde que meu filho ainda era um nenê, era uma casa muito antiga, de muro baixo e jardim na frente, garagem no fundo, e um grande quintal tipo terreiro , onde criávamos as nossas galinhas, que serviam apenas para botar ovos.

Eu sempre trabalhando muito, de segunda a sábado, chegando à noite em casa, jantava e pegava nos livros, pois queria muito mudar de vida, dar segurança à família. No mês anterior a proprietária tentara um plano suicida, trazendo o seu irmão com seus métodos pouco ortodoxos, por sorte naquele dia o meu pai estava em casa, e acabou sendo decisivo, pois esse homem ameaçou nos tirar à força caso não assinássemos a desistência, colocando os nossos móveis na rua, um absurdo pois não haviam motivos para despejo. Meu pai, um homem muito articulado, lhe disse calmamente, " mexa um dedo, e a polícia estará aqui em minutos, o senhor é quem decide, sair daqui imediatamente ou ser preso, não conhece as leis ? O homem mudou de cor, e recuou quando percebeu que havia se excedido, e quis remendar, mas já não havia reparo, a boca havia sido levianamente rápida; " por favor me desculpem...eu não quis dizer exatamente isso...foi força de expressão...eu nunca faria isso...". O diálogo acabara definitivamente, agora teria que ser por outros meios.

Retomando a visita do advogado, me lembro bem , era um homem que regulava de idade comigo, de terno escuro, magro e alto, de óculos de aros pesados, parecia inseguro e nervoso, um tanto trêmulo com papeis atrapalhados nas mãos. Da minha parte , não sei se pela forte rotina diária, estava bem calmo, tirei os óculos e pedi que se sentasse à mesa, entre os livros, que afastei com jeito, abrindo espaço. O dia estava quente , e a minha esposa veio com suco gelado para refrescar, o corpo e talvez o diálogo. Aos poucos foi se acalmando, e logo percebeu que tipo de pessoas éramos, se uma palavra resume, " educados".

Fez a sua proposta, de não pagarmos aluguel por seis meses, mesmo sabendo que a lei nos daria um ano, pagando diga-se bem, por isso era uma proposta bem razoável, e depois que não há harmonia, o melhor mesmo é partir e viver em paz. Nos dias a seguir lhe daríamos a resposta, e conversando com o meu pai, ele achou que estava bem, se eu também assim considerasse. Assinei os papeis.

Como disse anteriormente, achar uma casa no final dos anos oitenta, era bem difícil, mas com a graça de Deus tudo daria certo, e de fato deu, e em três meses ( metade do tempo), entregamos as chaves. Encontrara um sobradinho , até que perto, muito bonitinho , e a nova proprietária foi com a minha cara ; " Não sei porque , você me passa confiança", e fechamos o contrato na imobiliária.

Vendi as galinhas, peguei a família, o cachorro e as tralhas, e no único dia que tinha livre , o domingo, mudei e virei a página. Todos gostaram da casa nova, e ficaram felizes, com duas janelas em arco, uma entrada de carro e um pequeno jardim.

As vezes passo em frente daquela casa, e uma ponta de recordação acaba vindo, agora há um prédio lá, e vejo as pessoas entrando e saindo, carros e uma guarita de monitoramento onde antes estava o antigo jardim, e penso ; " Poxa , essa gente nem imagina, que nesse lugar viveu um jovem casal com três crianças,e um monte de sonhos...".

Quanto ao vestibular, passara em décimo sexto lugar na Metodista, que ficava bem perto do meu trabalho na "Ford", nem acreditei, e a casa nova. bem... esta seria a última vez que pagaria um aluguel.

Tenho certeza e sempre terei, que são as pessoas que fazem as casas, e que são elas que as transformam em "lar", porque por si elas são apenas habitações, e nada mais.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 25/01/2016
Reeditado em 25/01/2016
Código do texto: T5522268
Classificação de conteúdo: seguro