Inquéritos policiais militares (1964)
 
Luiz Carlos Pais
 
Diferentes inquéritos policiais militares foram abertos para investigar as supostas dúvidas que motivaram a prisão dos paraisenses. Um desses encontra-se identificado como IPM 115 e foi instalado no dia 2 de junho de 1964, para apurar “atividades subversivas registradas no município de São Sebastião do Paraíso”, tendo como indiciados: Carlos Vecci Gaspar, Geraldo Borges Campos, Gilberto de Oliveira Gaspar, João Eduardo de Vasconcelos e Braz Alves Vieira.

O delegado regional da cidade Passos foi escalado para elaborar um relatório preliminar com o depoimento dos cinco indicados, também consta na capa do processo o nome de dezessete testemunhas de acusação, conhecidos membros da sociedade paraisense. Uma vasta documentação encontra-se na pasta 005, tal como o documento 69 do acervo do extingo DOPS, disponível do Arquivo Público Mineiro. No processo estão arroladas dezessete testemunhas de acusação, entre os quais o pároco da cidade, Monsenhor Mancini, o prefeito da época, o pastor da Igreja Presbiteriana, entre outros. Ao iniciar o relatório delegado faz uma descrição do panorama social da cidade.


“São Sebastião do Paraíso é um município que conta com 15 mil almas. É uma sociedade ainda constituída de base agrária, cultivando ainda um forte sentido de feudalismo. Predomina em sua estrutura social um acentuado sentimento de coronelismo, com toda sua arrogância e prepotência, consequentemente, há um fraquíssimo índice cultural. Um forte sentimento de religiosidade envolve seus habitantes, chegando mesmo às raias do fanatismo religioso. Com o advento da revolução passada, dado aos exageros e boatos, de mistura de religião com política, surgiu um clima de desconfiança e intranquilidade entre os paraisenses. A política dominante é a UDN, possuindo uma emissora de rádio ZYA-4, de propriedade do vigário local.”

Descrição dos fatos que deram origem ao inquérito: “Logo após a eclosão do movimento revolucionário foram presos em São Sebastião do Paraíso vários elementos, pelos militares do 12º Batalhão de Infantaria, os quais foram acusados de comunistas, sendo eles transportados para Belo Horizonte, onde alguns ficaram presos. Recambiados os presos para esta cidade, os colocamos sob custódia”. Ainda de acordo com o relatório elaborado pelo delegado regional, de todos os depoimentos colhidos, não foi possível materializar nenhuma culpa ao indiciado Geraldo Borges Campos, que fora acusado de agitador. Mas esse sentimento resultou das animosidades de seus adversários políticos. Peba era o líder do núcleo municipal do PTB. Por duas vezes foi candidato ao cargo de prefeito, mas não conseguiu se eleger. Era também o presidente do sindicato de trabalhadores rurais que ele mesmo fundou.

Na visão do delegado, Peba era um “sujeito de temperamento firme” e mesmo não tendo diploma de curso superior era um político inteligente e carismático. O relatório termina com a conclusão que Peba nada tinha de comunista, deixando transparecer que sua militância trabalhista teria contrariado interesses de políticos locais e esta teria sido a origem das denúncias feitas contra ele. Em relação aos outros indiciados, nenhum depoimento colhido não resultou em materialidade para acusação.

O líder trabalhista divulgava um pequeno jornaleco intitulado “O Trabalhador”, usado como sua plataforma de mídia, além do velho carro de som que percorria os bairros da cidade. Nos termos do relatório, este pequeno jornal “atanazava” constantemente os seus adversários políticos. O delegado conclui o relatório dizendo que Peba poderia ser apenas considerado um agitador local, mas que de forma alguma poderia ser classificado como um comunista.
No que diz respeito à conclusão sobre Carlos Gaspar e Gilberto Gaspar, consta no relatório: “ambas são dos que podemos chamar de comunistas idealistas, guardando somente para eles os seus sonhos políticos. Cidadãos pacatos, que não se envolvem em política local.”

Dia 16 de julho de 1964. Para apurar denúncias de atividades subversivas no município de São Sebastião do Paraíso. Instaurado no dia 16 de julho de 1964. Feito pelo Primeiro Tenente Sebastião Rodrigues de Moura. Consta uma relação com os nomes de 11 indiciados: Gilberto de Oliveira Gaspar, Carlos Vecci Gaspar, Lázaro Lopes Moreira, [ilegível], José Paes, João Eduardo de Vasconcelos, Braz Alves Vieira, Geraldo Borges Campos, Leopoldo Bortoni, José Garcia Escobar, Mario do Prado Queirós. Esse grupo aparece custodiado pela assinatura de R. Rezende Pimenta e do então deputado estadual Delson Scarano. A folha de identificação do inquérito policial militar número 11 está na pasta 0007 que contem 49 imagens. Quase todos os documentos desta pasta estão danificados, com nomes ilegíveis, faltando parte da página e escuros.


Em agosto de 1964. Conclusão do inquérito presidido pelo Delegado Regional, quanto Braz Alves Vieira e João Eduardo de Vasconcelos. “Quase todos os depoimentos eximem os indiciados em tela, de serem comunistas, agitadores ou subversivos. Queremos crer que os mesmos foram apontados por professarem ideias trabalhistas e se primarem amigavelmente com o “Peba”. Esse é o nosso parecer, confiante, no entanto, num melhor julgamento por parte de Vossas Excelências, a fim de que possa ser feito justiça.” Dia 03 de julho de 1964.

Um resumo do número de detidos nos dois primeiros meses do golpe foi elaborado no dia 03 de julho de 1964 pelos agentes do departamento de vigilância social. Até esta data, foram instaurados 67; 882 pessoas tinham sido detidas para averiguações, das quais 674 já haviam sido liberadas sem condições, outras 203 estavam liberadas sob custódia e outras cinco continuavam presas à disposição da justiça militar. Os episódios de abril de 1964, acompanhando o curso dos governos militares tiveram consequências durantes muitos anos.

Uma década após as prisões, alguns cidadãos paraisenses continuaram sendo vigiados pelos órgãos de repressão. Em 27 de março de 1968, em ofício expedido pela delegacia regional do departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, em Minas Gerais, o chefe da seção de polícia de segurança nacional requer do delegado de vigilância especial informações dos antecedentes políticos de José Paes, bem como a descrição de suas qualificações pessoais e o seu endereço. A vigilância permaneceu quase constante até que esses órgãos fossem extintos, dando origem mecanismos mais democráticos no serviço de inteligência.

Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016