Vistorias das residências (1964)
Luiz Carlos Pais
Luiz Carlos Pais
As famílias dos presos políticos de São Sebatião do Paraíso, de 1964, não receberam nenhuma comunicação das autoridades que efetuaram as prisões. Também não foi possível que as famílias fizessem algum contato com autoridades locais para obter notícias de seus familiares. Apenas circulavam os mais diversos comentários pela cidade, alguns de extrema perversidade e mau gosto. Passados alguns dias, o então primeiro tenente Sebastião Rodrigues de Moura, que coordenou as prisões, retornou à cidade para vistoriar as residências dos presos, em busca de supostas armas conforme a denúncia que teria chegado ao General Guedes.
Diante da carência de fontes, tenho apenas algumas lembranças pessoais, as quais foram confrontadas com as lembranças de minha irmã Joster, que estava com 14 anos. Lembro-me do dia em que o referido oficial foi à nossa casa para fazer a vistoria, ele estava acompanhado por outros dois homens, um vestia farda do exército e o outro era um conhecido oficial de justiça da cidade. Eles chegaram à nossa casa em um automóvel fusca.
O veículo ficou estacionado no terreno ao lado da nossa casa. Bateram à porta e disseram à minha mãe que iriam entrar para fazer uma busca para averiguar denúncias que haviam sido feitas contra o meu pai. Nenhuma ordem judicial foi apresentada. Minha mãe em silêncio e se retirou para a cozinha da casa com os filhos menores e pediu para que eu e a Joster ficássemos atentos aos que eles iriam fazer. Assim, retornamos para acompanhar a vistoria, enquanto minha mãe ficou com meus irmãos menores na cozinha da casa, poupando-os de presenciar a cena.
Então aqueles três homens entraram nos quartos da casa, abriram guarda-roupas, armários e gavetas como se procurassem algum objeto. Nada foi localizado por eles. Quando eu e minha irmã presenciamos essa busca, não tínhamos compreensão total do significado daqueles atos. Hoje, passados meio século, consigo refletir com mais serenidade sobre a violência praticada pelo aquele comando, sobretudo, por não ter apresentado à minha mãe nenhuma ordem judicial que autorizassem eles a entrar na nossa casa e vasculhar os objetos íntimos da família. Passado algum tempo, ficamos sabendo que nas casas dos demais paraisenses detidos aconteceu a mesma busca e realizada da mesma forma. Essas cenas ficaram profundamente gravadas em minha memória, sobretudo, pelo último episódio de violência que passo a descrever.
Para finalizar a vistoria, o agente tentou convencer-me a dizer o local onde estariam as “armas” que o meu pai teria guardado em casa. Na sala da casa, o militar intimidou-me, colocando seus dois braços estendidos na borda da mesa, fazendo com que eu ficasse encantoado entre seus longos braços e a mesa. Relembrando que eu estava apenas com 9 anos de idade. Esse gesto grotesco e desnecessário foi testemunhado pelos outros dois agentes que o acompanharam a vistoria da nossa residência. O militar encarou-me e disse-me para eu dizer onde estavam as armas do meu pai. Ainda me lembro, com clareza, que lhe respondi que meu pai não tinha nenhuma arma, pois ele não gostava nem caçar e não tinha sequer um canivete! Ao final desse pequeno interrogatório os três homens foram embora.
Os paraisenses detidos em Belo Horizonte começaram a ser liberados no dia 17 de abril de 1964. Nesse dia foram liberados apenas três e maioria foi liberada no dia seguinte. A estratégia usada pelos militares consistiu em liberar um de cada vez, em horários intercalados, para que não pudessem estabelecer nenhuma comunicação. Para a maioria do grupo foi uma liberdade provisória, concedida com a garantia de custódia assinada pelo deputado Delson Scarano.
Houve uma orientação para que eles, assim que fossem liberados, não permanecessem nas imediações do presídio e partissem para seus destinos. José Paes foi liberado no dia 18, por volta das 23 horas, se deslocando para um endereço memorizado de uma pensão que lhe fora passado verbalmente por companheiros visinhos de cela. Foi nesse local que parte do grupo de paraisense se reuniu para organizar o retorno a Sebastião do Paraíso.
Campo Grande, MS, 24 de |Janeiro de 2016
Diante da carência de fontes, tenho apenas algumas lembranças pessoais, as quais foram confrontadas com as lembranças de minha irmã Joster, que estava com 14 anos. Lembro-me do dia em que o referido oficial foi à nossa casa para fazer a vistoria, ele estava acompanhado por outros dois homens, um vestia farda do exército e o outro era um conhecido oficial de justiça da cidade. Eles chegaram à nossa casa em um automóvel fusca.
O veículo ficou estacionado no terreno ao lado da nossa casa. Bateram à porta e disseram à minha mãe que iriam entrar para fazer uma busca para averiguar denúncias que haviam sido feitas contra o meu pai. Nenhuma ordem judicial foi apresentada. Minha mãe em silêncio e se retirou para a cozinha da casa com os filhos menores e pediu para que eu e a Joster ficássemos atentos aos que eles iriam fazer. Assim, retornamos para acompanhar a vistoria, enquanto minha mãe ficou com meus irmãos menores na cozinha da casa, poupando-os de presenciar a cena.
Então aqueles três homens entraram nos quartos da casa, abriram guarda-roupas, armários e gavetas como se procurassem algum objeto. Nada foi localizado por eles. Quando eu e minha irmã presenciamos essa busca, não tínhamos compreensão total do significado daqueles atos. Hoje, passados meio século, consigo refletir com mais serenidade sobre a violência praticada pelo aquele comando, sobretudo, por não ter apresentado à minha mãe nenhuma ordem judicial que autorizassem eles a entrar na nossa casa e vasculhar os objetos íntimos da família. Passado algum tempo, ficamos sabendo que nas casas dos demais paraisenses detidos aconteceu a mesma busca e realizada da mesma forma. Essas cenas ficaram profundamente gravadas em minha memória, sobretudo, pelo último episódio de violência que passo a descrever.
Para finalizar a vistoria, o agente tentou convencer-me a dizer o local onde estariam as “armas” que o meu pai teria guardado em casa. Na sala da casa, o militar intimidou-me, colocando seus dois braços estendidos na borda da mesa, fazendo com que eu ficasse encantoado entre seus longos braços e a mesa. Relembrando que eu estava apenas com 9 anos de idade. Esse gesto grotesco e desnecessário foi testemunhado pelos outros dois agentes que o acompanharam a vistoria da nossa residência. O militar encarou-me e disse-me para eu dizer onde estavam as armas do meu pai. Ainda me lembro, com clareza, que lhe respondi que meu pai não tinha nenhuma arma, pois ele não gostava nem caçar e não tinha sequer um canivete! Ao final desse pequeno interrogatório os três homens foram embora.
Os paraisenses detidos em Belo Horizonte começaram a ser liberados no dia 17 de abril de 1964. Nesse dia foram liberados apenas três e maioria foi liberada no dia seguinte. A estratégia usada pelos militares consistiu em liberar um de cada vez, em horários intercalados, para que não pudessem estabelecer nenhuma comunicação. Para a maioria do grupo foi uma liberdade provisória, concedida com a garantia de custódia assinada pelo deputado Delson Scarano.
Houve uma orientação para que eles, assim que fossem liberados, não permanecessem nas imediações do presídio e partissem para seus destinos. José Paes foi liberado no dia 18, por volta das 23 horas, se deslocando para um endereço memorizado de uma pensão que lhe fora passado verbalmente por companheiros visinhos de cela. Foi nesse local que parte do grupo de paraisense se reuniu para organizar o retorno a Sebastião do Paraíso.
Campo Grande, MS, 24 de |Janeiro de 2016