Partido Comunista de 1946
Luiz Carlos Pais
O final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, criou o clima de otimismo e esperança por dias melhores em diversos setores da sociedade. No Brasil, iniciaria uma curta experiência democrática na qual os comunistas conquistaram o direito de participar das eleições. Este foi o momento que um grupo de paraisenses fundou o primeiro núcleo do partido comunista na cidade, no final de 1946. O entusiasmo durou pouco tempo. Passados alguns meses, a polícia fechou o comitê, como ocorreu em todo o país, confiscando o arquivo e fichou os seus afiliados no DOPS de Belo Horizonte.
Em agosto de 1942, soldados brasileiros começavam a preparar suas armas para combater tropas italianas e alemãs. O Brasil havia declarado guerra à Alemanha e à Itália. Embora Vargas fosse simpático aos princípios fascistas, a entrada no conflito foi inevitável depois que navios mercantes brasileiros foram torpedeados. Jovens brasileiros de diversas cidades foram convocados. Famílias paraisenses foram à estação ferroviária da Mogiana para se despedir de seus filhos convocados.
José Paes tinha 20 anos e trabalhava numa sapataria da cidade. Tinha desenvolvido o hábito de ler jornais, revistas e obras literárias e começava a publicar, na imprensa local, os seus primeiros poemas. Além de cultivar uma verdadeira paixão pelo mundo encantado da poesia e da literatura, ele estava também descobrindo, naquele momento, o intrincado e pesado jogo das ideias políticas. Começou a se formar na cidade um pequeno grupo de amigos simpáticos aos ideias comunistas, do qual ele fazia parte. Os membros mais experientes desse grupo de paraisenses haviam presenciado, em meados da década de 1930, dos primeiros ruídos locais em favor da Aliança Nacional Libertadora. As ideias propagadas pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes teriam chegado a Paraíso para combater a velha política integralista.
O grupo se reunia três vezes por semana para ouvir num rádio à válvula as notícias do conflito mundial. Mais do que ouvir notícias, esse grupo de jovens queria entender a conjuntura internacional e os interesses das potências envolvidas. O término do conflito provocou também o fim da Ditadura Vargas. O avanço democrático naquele momento significava abertura política e realização de eleições para todos os níveis do executivo e do legislativo. Com a curta experiência democrática que passou pelo país e com a anistia concedida aos presos políticos, o PCB conquistou a legalidade e as lideranças regionais se dispuseram a organizar suas bases. Muitos núcleos estavam funcionando na clandestinidade, usando espaço de outros movimentos sociais, em favor da paz mundial, contra a carestia do custo de vista, entre outras bandeiras simpáticas às classes populares. Mesmo com o reduzido tempo disponível para reorganizar, o partido comunismo conquistou ampla visibilidade nas eleições de 1945.
Para a presidência da República, o candidato do partido, engenheiro Yedo Fiúza, ficou em terceiro lugar com 10% dos votos. Foi eleito o marechal Eurico Dutra, candidato do PSD, com o apoio do PTB, conquistando 55% dos votos. O brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, ficou em segundo lugar, com 35% dos votos, contando com os votos dos partidos coligados, alguns dos quais ainda aliados ao coronelismo que predominou desde os tempos da Velha República, nas quatro primeiras décadas do período republicano. O marechal Dutra exerceu a presidência de 1946 a 1950, quando Vargas retornou ao poder pelo voto. Nas eleições de 1946, os comunistas elegeram Luiz Carlos Prestes para o senado e 14 deputados federais.
O primeiro grupo político de esquerda de Paraíso foi organizado em novembro de 1946, quando foi criado o comitê municipal do Partido Comunista. Por esse motivo, para entender o quadro político de 1964 é preciso retornar 18 anos, quando o país viveu um momento de democratização, com o final da Segunda Guerra Mundial. Mas, metade dos detidos não tinha ligação com o partido comunista. Alguns eram militantes trabalhistas e outros eram simpatizantes das reformas defendidas pelo presidente deposto João Goulart.
A proposta do grupo de comunistas paraisenses divergia dos rumos da velha política local comprometida ainda com a prática usual nas quatro primeiras décadas do período republicano. A disputa política permanecia sendo apenas uma questão de conflito de interesses entre os coronéis que dominaram a cidade por longos anos. O primeiro sinal de mudança veio com a revolução de 1930, quando encerrou a Velha República e teve início uma nova etapa da história nacional. Nesse momento, o presidente Vargas tenta implantar uma política de conciliação entre os interesses capitalistas e os primeiros direitos reconhecidos dos trabalhadores.
Os anos da Era Vargas estavam apenas começando. Talvez a única certeza fosse o fim da velha política tramada entre as oligarquias agrárias mineiras e paulistas. Momento de crise para os fazendeiros cafeicultores, pois cerca de 80 milhões de sacas de café foram queimadas, entre 1929 e 1937. Em meados de 1945, o mundo estava assustado com os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Mais de 50 milhões de pessoas haviam morrido. O dia 6 de agosto foi ainda mais assustador com o lançamento da primeira bomba atômica sobre Hiroshima. Três dias depois, uma segunda bomba foi jogada sobre Nagasaki. O término do conflito marcou o início da divisão do mundo em dois blocos rivais. O bloco comunista liderado pela União Soviética e o capitalista pelos Estados Unidos.
Este foi o começo da Guerra Fria cujo motivo principal era uma disputa de espaço entre os dois blocos imperialistas. Hitler, Mussolini e Stalin haviam criado sistemas políticos totalitários jamais vistos desde a Idade Moderna. Suas estratégias estavam baseadas no terror policial, na ideologia oficial e no partido único de massa. Os meios de comunicação estavam sobre o controle estatal, economia centralizada, além da existência de políticas secretas. No Brasil, terminava os anos do Governo Vargas.
O presidente Dutra tomou posse em 31 de janeiro de 1946. Os comunistas estavam eufóricos porque aquele seria um dos momentos de legalidade e de oportunidade de expansão bases da legenda. O candidato comunista à presidência, engenheiro Yedo Fiúza, conquistou o terceiro lugar com 10% dos votos, um resultado expressivo em vista o curto período de organização legal do partido. Luiz Carlos Prestes foi eleito senador e o partido passou a ter uma bancada de 14 deputados federais. O país vivia um momento de redemocratização quando um grupo de paraisenses resolveu fundar o comitê municipal do partido comunista.
O presidente Dutra foi eleito por uma coligação entre PSD e PTB. Comunistas e trabalhistas viram sinais promissores de novo período. Nesse clima de euforia, os comunistas paraisenses entenderam que aquele seria o momento de criar uma nova legenda política na cidade. Sob a liderança de Carlos Gaspar, foi constituído um grupo de trabalhadores, comerciantes, bancários, sapateiros, alfaiates, barbeiros, pintores, pedreiros e marceneiros. O grupo estava motivado em participar daquele momento da política nacional.
O retorno vitorioso dos heróis que participaram da FEB havia renovado o orgulho nacional. Todos sonhavam por dias melhores. No cenário mundial, no contexto da Guerra Fria, começava então a pressão dos Estados Unidos para que o Brasil passasse a ser apenas uma extensão dos seus interesses. De um lado, os interesses econômicos dos Estados Unidos se confrontavam com as pretensões de expansão da União Soviética, centro de difusão da ideologia comunista.
José Paes tinha 24 anos quando participou da criação do comitê do PCB e assumiu o compromisso de ser secretário da organização. Mais do que uma simples afiliação partidária, amparada pela legislação eleitoral da época, o jovem poeta e seus companheiros foram pioneiros na criação de uma nova orientação política, sobretudo, para as classes populares e para trabalhadores de forma geral. Um dos desafios foi conseguir os recursos para fazer funcionar o pequeno comitê. Foram criadas listas de contribuições. O grupo começou a trabalhar. Cada um assumiu uma tarefa. O sapateiro assumiu a secretaria, o pintor as funções de tesoureiro e assim por diante.
Os valores arrecadados na primeira lista, com 18 assinaturas, foram registrados pelo tesoureiro no dia 28 de novembro de 1946. O total arrecadado foi de oitenta e dois cruzeiros. Alguns colaboradores mesmo não sendo comunistas, entendiam que a fundação da legenda poderia ser um avanço político para a cidade. Por outro lado, nem todos os contribuintes, certamente, sentiam seguros em registrar seus nomes na lista e escreviam apenas simpatizante, camarada ou companheiro.
Ainda ecoavam na memória de muitos os anos da repressão do Estado Novo, quando os partidos foram extintos e instituições foram obrigadas a encerrar suas atividades. Omitir o nome do contribuinte na lista foi uma estratégia para respeitar a privacidade do doador e minimizar os riscos de perseguição. A primeira lista de doações para fundar o comitê do partido comunista em São Sebastião do Paraíso foi organizada por José Paes, em novembro de 1946. Na primeira lista constam 18 doações. O nome de alguns colaboradores não aparece identificado nas listas. Ao invés da assinatura, aparecem expressões como um simpatizante, um camarada, um companheiro. Uma estratégia criada para preservar o doador. O total arrecadado na primeira lista foi de Cr$ 82,00 (oitenta e dois cruzeiros), um quarto do salário mínimo da época.
A quinta lista de contribuições foi organizada por Urgelino Rezende, ainda em novembro de 1946. Conforme registro na parte inferior do documento os valores arrecadados foram de vinte e cinco cruzeiros. A sexta lista de foi também organizada por José Paes, sendo os valores arrecadados registrados pelo tesoureiro no dia 3 de fevereiro de 1947. Mas, desta vez a finalidade era custear a campanha eleitoral do partido. Tudo pareceria correr bem na militância. Mas, no início de 1947, o partido teve o seu registro cassado. A princípio, foi impetrado recurso junto ao Supremo Tribunal Eleitoral, mas no final do ano o presidente Dutra apoiou a cassação definitiva do partido. Assim, no início de maio, o delegado da cidade recebeu ordens para fechar o comitê local e apreender todos os documentos existentes no arquivo da organização.
Antes da busca policial, o grupo reuniu para discutir se deveriam ou não entregar todos os documentos. Alguns defenderam a ideia de incinerá-los, pois tinham dúvidas quanto às consequências da entrega. Como o comitê tinha sido criado legalmente e vinha funcionando, até então, com base na legislação eleitoral, decidiram que não teria nada a esconder e assim entregaram à política local a totalidade do pequeno arquivo.
O auto de apreensão foi lavrado no dia 12 de maio de 1947. Além do delegado, assinaram o documento: Carlos Gaspar, Sebastião Pereira Rezende e Urgelino Pereira de Rezende, convidados para acompanhar o ato policial. Foram listados os documentos apreendidos: livro caixa, atas, correspondência, fichas preenchidas de eleitores filiados do partido, correspondências recebidas e expedidas, uma pasta com listas de contribuições financeiras, uma pasta com cartas circulares e uma pasta com 60 fichas de inscrição em branco, 61 carteirinhas do partido e mais 51 propostas de inscrição no partido, e uma cópia dos estatutos do partido. Conforme anotações do delegado, o arquivo foi enviado para a política de Belo Horizonte, em 12 de maio de 1947. Os termos do seu ofício são os seguintes: “Em cumprimento a ordem de vossa senhoria, procedi a apreensão do arquivo pertencente ao comitê do partido comunista desta cidade, o qual conforme instruções vos remeto em registro à parte.”
Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016
Obs. Esta crônica é um capítulo do livro do autor "História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 - 1964)".
Luiz Carlos Pais
O final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, criou o clima de otimismo e esperança por dias melhores em diversos setores da sociedade. No Brasil, iniciaria uma curta experiência democrática na qual os comunistas conquistaram o direito de participar das eleições. Este foi o momento que um grupo de paraisenses fundou o primeiro núcleo do partido comunista na cidade, no final de 1946. O entusiasmo durou pouco tempo. Passados alguns meses, a polícia fechou o comitê, como ocorreu em todo o país, confiscando o arquivo e fichou os seus afiliados no DOPS de Belo Horizonte.
Em agosto de 1942, soldados brasileiros começavam a preparar suas armas para combater tropas italianas e alemãs. O Brasil havia declarado guerra à Alemanha e à Itália. Embora Vargas fosse simpático aos princípios fascistas, a entrada no conflito foi inevitável depois que navios mercantes brasileiros foram torpedeados. Jovens brasileiros de diversas cidades foram convocados. Famílias paraisenses foram à estação ferroviária da Mogiana para se despedir de seus filhos convocados.
José Paes tinha 20 anos e trabalhava numa sapataria da cidade. Tinha desenvolvido o hábito de ler jornais, revistas e obras literárias e começava a publicar, na imprensa local, os seus primeiros poemas. Além de cultivar uma verdadeira paixão pelo mundo encantado da poesia e da literatura, ele estava também descobrindo, naquele momento, o intrincado e pesado jogo das ideias políticas. Começou a se formar na cidade um pequeno grupo de amigos simpáticos aos ideias comunistas, do qual ele fazia parte. Os membros mais experientes desse grupo de paraisenses haviam presenciado, em meados da década de 1930, dos primeiros ruídos locais em favor da Aliança Nacional Libertadora. As ideias propagadas pelo líder comunista Luiz Carlos Prestes teriam chegado a Paraíso para combater a velha política integralista.
O grupo se reunia três vezes por semana para ouvir num rádio à válvula as notícias do conflito mundial. Mais do que ouvir notícias, esse grupo de jovens queria entender a conjuntura internacional e os interesses das potências envolvidas. O término do conflito provocou também o fim da Ditadura Vargas. O avanço democrático naquele momento significava abertura política e realização de eleições para todos os níveis do executivo e do legislativo. Com a curta experiência democrática que passou pelo país e com a anistia concedida aos presos políticos, o PCB conquistou a legalidade e as lideranças regionais se dispuseram a organizar suas bases. Muitos núcleos estavam funcionando na clandestinidade, usando espaço de outros movimentos sociais, em favor da paz mundial, contra a carestia do custo de vista, entre outras bandeiras simpáticas às classes populares. Mesmo com o reduzido tempo disponível para reorganizar, o partido comunismo conquistou ampla visibilidade nas eleições de 1945.
Para a presidência da República, o candidato do partido, engenheiro Yedo Fiúza, ficou em terceiro lugar com 10% dos votos. Foi eleito o marechal Eurico Dutra, candidato do PSD, com o apoio do PTB, conquistando 55% dos votos. O brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, ficou em segundo lugar, com 35% dos votos, contando com os votos dos partidos coligados, alguns dos quais ainda aliados ao coronelismo que predominou desde os tempos da Velha República, nas quatro primeiras décadas do período republicano. O marechal Dutra exerceu a presidência de 1946 a 1950, quando Vargas retornou ao poder pelo voto. Nas eleições de 1946, os comunistas elegeram Luiz Carlos Prestes para o senado e 14 deputados federais.
O primeiro grupo político de esquerda de Paraíso foi organizado em novembro de 1946, quando foi criado o comitê municipal do Partido Comunista. Por esse motivo, para entender o quadro político de 1964 é preciso retornar 18 anos, quando o país viveu um momento de democratização, com o final da Segunda Guerra Mundial. Mas, metade dos detidos não tinha ligação com o partido comunista. Alguns eram militantes trabalhistas e outros eram simpatizantes das reformas defendidas pelo presidente deposto João Goulart.
A proposta do grupo de comunistas paraisenses divergia dos rumos da velha política local comprometida ainda com a prática usual nas quatro primeiras décadas do período republicano. A disputa política permanecia sendo apenas uma questão de conflito de interesses entre os coronéis que dominaram a cidade por longos anos. O primeiro sinal de mudança veio com a revolução de 1930, quando encerrou a Velha República e teve início uma nova etapa da história nacional. Nesse momento, o presidente Vargas tenta implantar uma política de conciliação entre os interesses capitalistas e os primeiros direitos reconhecidos dos trabalhadores.
Os anos da Era Vargas estavam apenas começando. Talvez a única certeza fosse o fim da velha política tramada entre as oligarquias agrárias mineiras e paulistas. Momento de crise para os fazendeiros cafeicultores, pois cerca de 80 milhões de sacas de café foram queimadas, entre 1929 e 1937. Em meados de 1945, o mundo estava assustado com os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Mais de 50 milhões de pessoas haviam morrido. O dia 6 de agosto foi ainda mais assustador com o lançamento da primeira bomba atômica sobre Hiroshima. Três dias depois, uma segunda bomba foi jogada sobre Nagasaki. O término do conflito marcou o início da divisão do mundo em dois blocos rivais. O bloco comunista liderado pela União Soviética e o capitalista pelos Estados Unidos.
Este foi o começo da Guerra Fria cujo motivo principal era uma disputa de espaço entre os dois blocos imperialistas. Hitler, Mussolini e Stalin haviam criado sistemas políticos totalitários jamais vistos desde a Idade Moderna. Suas estratégias estavam baseadas no terror policial, na ideologia oficial e no partido único de massa. Os meios de comunicação estavam sobre o controle estatal, economia centralizada, além da existência de políticas secretas. No Brasil, terminava os anos do Governo Vargas.
O presidente Dutra tomou posse em 31 de janeiro de 1946. Os comunistas estavam eufóricos porque aquele seria um dos momentos de legalidade e de oportunidade de expansão bases da legenda. O candidato comunista à presidência, engenheiro Yedo Fiúza, conquistou o terceiro lugar com 10% dos votos, um resultado expressivo em vista o curto período de organização legal do partido. Luiz Carlos Prestes foi eleito senador e o partido passou a ter uma bancada de 14 deputados federais. O país vivia um momento de redemocratização quando um grupo de paraisenses resolveu fundar o comitê municipal do partido comunista.
O presidente Dutra foi eleito por uma coligação entre PSD e PTB. Comunistas e trabalhistas viram sinais promissores de novo período. Nesse clima de euforia, os comunistas paraisenses entenderam que aquele seria o momento de criar uma nova legenda política na cidade. Sob a liderança de Carlos Gaspar, foi constituído um grupo de trabalhadores, comerciantes, bancários, sapateiros, alfaiates, barbeiros, pintores, pedreiros e marceneiros. O grupo estava motivado em participar daquele momento da política nacional.
O retorno vitorioso dos heróis que participaram da FEB havia renovado o orgulho nacional. Todos sonhavam por dias melhores. No cenário mundial, no contexto da Guerra Fria, começava então a pressão dos Estados Unidos para que o Brasil passasse a ser apenas uma extensão dos seus interesses. De um lado, os interesses econômicos dos Estados Unidos se confrontavam com as pretensões de expansão da União Soviética, centro de difusão da ideologia comunista.
José Paes tinha 24 anos quando participou da criação do comitê do PCB e assumiu o compromisso de ser secretário da organização. Mais do que uma simples afiliação partidária, amparada pela legislação eleitoral da época, o jovem poeta e seus companheiros foram pioneiros na criação de uma nova orientação política, sobretudo, para as classes populares e para trabalhadores de forma geral. Um dos desafios foi conseguir os recursos para fazer funcionar o pequeno comitê. Foram criadas listas de contribuições. O grupo começou a trabalhar. Cada um assumiu uma tarefa. O sapateiro assumiu a secretaria, o pintor as funções de tesoureiro e assim por diante.
Os valores arrecadados na primeira lista, com 18 assinaturas, foram registrados pelo tesoureiro no dia 28 de novembro de 1946. O total arrecadado foi de oitenta e dois cruzeiros. Alguns colaboradores mesmo não sendo comunistas, entendiam que a fundação da legenda poderia ser um avanço político para a cidade. Por outro lado, nem todos os contribuintes, certamente, sentiam seguros em registrar seus nomes na lista e escreviam apenas simpatizante, camarada ou companheiro.
Ainda ecoavam na memória de muitos os anos da repressão do Estado Novo, quando os partidos foram extintos e instituições foram obrigadas a encerrar suas atividades. Omitir o nome do contribuinte na lista foi uma estratégia para respeitar a privacidade do doador e minimizar os riscos de perseguição. A primeira lista de doações para fundar o comitê do partido comunista em São Sebastião do Paraíso foi organizada por José Paes, em novembro de 1946. Na primeira lista constam 18 doações. O nome de alguns colaboradores não aparece identificado nas listas. Ao invés da assinatura, aparecem expressões como um simpatizante, um camarada, um companheiro. Uma estratégia criada para preservar o doador. O total arrecadado na primeira lista foi de Cr$ 82,00 (oitenta e dois cruzeiros), um quarto do salário mínimo da época.
A quinta lista de contribuições foi organizada por Urgelino Rezende, ainda em novembro de 1946. Conforme registro na parte inferior do documento os valores arrecadados foram de vinte e cinco cruzeiros. A sexta lista de foi também organizada por José Paes, sendo os valores arrecadados registrados pelo tesoureiro no dia 3 de fevereiro de 1947. Mas, desta vez a finalidade era custear a campanha eleitoral do partido. Tudo pareceria correr bem na militância. Mas, no início de 1947, o partido teve o seu registro cassado. A princípio, foi impetrado recurso junto ao Supremo Tribunal Eleitoral, mas no final do ano o presidente Dutra apoiou a cassação definitiva do partido. Assim, no início de maio, o delegado da cidade recebeu ordens para fechar o comitê local e apreender todos os documentos existentes no arquivo da organização.
Antes da busca policial, o grupo reuniu para discutir se deveriam ou não entregar todos os documentos. Alguns defenderam a ideia de incinerá-los, pois tinham dúvidas quanto às consequências da entrega. Como o comitê tinha sido criado legalmente e vinha funcionando, até então, com base na legislação eleitoral, decidiram que não teria nada a esconder e assim entregaram à política local a totalidade do pequeno arquivo.
O auto de apreensão foi lavrado no dia 12 de maio de 1947. Além do delegado, assinaram o documento: Carlos Gaspar, Sebastião Pereira Rezende e Urgelino Pereira de Rezende, convidados para acompanhar o ato policial. Foram listados os documentos apreendidos: livro caixa, atas, correspondência, fichas preenchidas de eleitores filiados do partido, correspondências recebidas e expedidas, uma pasta com listas de contribuições financeiras, uma pasta com cartas circulares e uma pasta com 60 fichas de inscrição em branco, 61 carteirinhas do partido e mais 51 propostas de inscrição no partido, e uma cópia dos estatutos do partido. Conforme anotações do delegado, o arquivo foi enviado para a política de Belo Horizonte, em 12 de maio de 1947. Os termos do seu ofício são os seguintes: “Em cumprimento a ordem de vossa senhoria, procedi a apreensão do arquivo pertencente ao comitê do partido comunista desta cidade, o qual conforme instruções vos remeto em registro à parte.”
Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016
Obs. Esta crônica é um capítulo do livro do autor "História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 - 1964)".