Federação Trabalhista Sul de Minas
 
Luiz Carlos Pais
 
Esta crônica histórica registra eventos ocorridos em São Sebastião do Paraíso, no início da década de 1930, relativos às primeiras iniciativas locais em sintonia com as políticas trabalhistas criadas pelo presidente Getúlio Vargas. Trata-se da criação da Federação Trabalhista Sindical Sul de Minas, em julho de 1933, por um grupo de paraisenses disposto a fundar uma instituição pioneira concebida em sintonia com os novos rumos políticos daquele momento. A liderança do grupo era exercida pelo empresário e jornalista Roberto Scarano, apoiado por outros cidadãos da sociedade local. O sentido mais amplo dessa iniciativa está intimamente associado às consequências das ameaças sofridas pelo governo Vargas, pela Revolução Constitucionalista de 1932.

O presidente Vargas começou a estimular a criação de sindicatos como estratégia de combate político às lideranças paulistas, mineiras e de outros estados. Afinal, o aumento expressivo de número de trabalhadores urbanos seria uma fonte de votos nada desprezível, caso a estratégia do golpe não se mantivesse. Diante da conjuntura nacional, em pouco tempo, um grupo de paraisenses entendeu ser aquele o momento adequado para tentar criar a primeira instituição sindical da região. Uma iniciativa ousada no campo da política, pois expressava a intenção de alterar os rumos da velha ordem instituída nas relações entre patrões e empregados, as quais, naquele momento, ainda estavam baseadas na antiga lógica agrária do começo do século XX.

Este projeto pioneiro no campo das relações trabalhistas pertence ao momento de transição da base econômica agrária para a expansão do comércio e implantação das primeiras indústrias. Consta na ata de fundação da entidade que a primeira reunião desse grupo trabalhista ocorreu na casa onde funcionava o Partido Socialista Brasileiro, nos altos da Mocoquinha. Um evento que estava na contramão da linha política tradicional vinculada ao Partido Republicano Mineiro, entre outras legendas conservadoras. Certamente, a importância histórica desse acontecimento local ultrapassa os limites geográficos do Sul de Minas.

A revolução de 1930 havia se consumado com o apoio de políticos mineiros, com a promessa de acabar com as velhas e abusivas práticas que predominaram na Velha República. Havia uma expectativa quanto à definição de políticas para regulamentar as relações entre capital e trabalho. Nos redutos mais atrasados do país ainda predominavam os sentimentos que sustentaram os longos anos de escravidão. Assim, esta confederação foi criada em sintonia com os tempos de mudança em relação às velhas práticas da política do café com leite. A revolução getulista motivou a formação de lideranças políticas cujo território de atuação não seria mais de base exclusivamente agrária e artesanal como havia predominado na Velha República

Pequenas indústrias começaram a ser instaladas em várias cidades do interior, com o desafio de usar tecnologia inovadora para aquela época, visando superar a antiga produção artesanal. Nesse contexto de expansão econômica, em São Sebastião do Paraíso surgiram importantes indústrias de laticínios, artefatos de madeira, curtumes e de produtos associadas à cafeicultura. Essa expansão econômica proporcionou então uma alteração das classes sociais, de forma geral, diversificando o predomínio até então vigente do setor agrícola. Em particular, começou a surgir uma classe operária cujos trabalhadores tinham salários pagos mensalmente, ao contrário das práticas mais antigas, usuais nas fazendas de café, quando o pagamento ocorria na época da colheita da produção. O operário urbano passou a ter certa expectativa de direito trabalhista. Os sindicatos começavam a se formar nas grandes cidades.

Aos poucos, esse tipo de organização começou a se espalhar pelo interior. Muitas dificuldades teriam ainda os trabalhadores em organizar seus próprios redutos para defender seus direitos. Os órgãos de repressão estavam atuando em favor da velha política. Em pouco tempo, a notícia da criação de uma confederação trabalhista em Paraíso chegou ao DOPS. O delegado local havia passado as informações. Mas tudo estava sendo feito de acordo com as orientações do governo federal.
Não houve nenhuma revolução, no sentido de romper de forma absoluta com o sistema econômico mais amplo, mas o velho modelo agrário começou a ser alterado com a expansão de outros setores da economia e este foi um passo para consolidar uma nova política trabalhista no país. No dia 5 de junho de 1933, cerca de 250 trabalhadores se reuniram para fundar a uma organização pioneira, a Federação Sindical Trabalhista Sul de Minas. A reunião ocorreu no espaço onde funcionava a sede do Partido Socialista Brasileiro. São informações contidas na ata de fundação da organização. Naquele momento, os socialistas estavam empenhados em organizar suas trincheiras nas principais cidades do país.

A Era Vargas estava apenas começando e os rumos daquele momento político eram incertos. Havia certa esperança geral de encerrar o período da velha política dominada pelas oligarquias agrárias mineiras e paulistas, mas os coroneis regionais ainda tinham extensos redutos de dominação. Era também um momento de profunda crise para a cafeicultura. Há registro de que foram queimadas 80 milhões de sacas de café, entre 1929 e 1937. Durante muitos anos, a agricultura tinha sido a principal base econômica da região, mas novos setores da economia estavam em franco processo de expansão. O êxodo rural e o crescimento das cidades abriam novas oportunidades no comércio, indústria e serviços. A convergência desses fatores sinalizou então para o início da alteração dos rumos políticos de abrangência nacional.

Os participantes da reunião de trabalhadores escolheram o empresário e jornalista Roberto Scarano para ser o presidente da instituição e José Nascimento Junior foi eleito para ocupar o cargo de secretário. Com essa base inicial, o primeiro desafio foi tentar obter o reconhecimento junto ao Ministério do Trabalho, conforme estipulava o Decreto Federal no 19.770, de 19 de março de 1931. Outra medida deliberada foi escolher uma comissão parar elaborar os estatutos para que a entidade pudesse ser registrada nos órgãos oficiais. Além do presidente e secretário, essa comissão foi composta por Roque Scarano, Horácio Pedrosa e Antônio Martins.

Após formar a comissão para escrever os estatutos, o presidente falou da necessidade dos trabalhadores se organizarem em seus respectivos sindicados, cuja reunião possibilitaria consolidar a criação da federação. Foi discutida ainda a conveniência de formar um sindicado para reunir os comerciários, outro para reunir os pedreiros, outro para os marceneiros e carpinteiros e outro para os padeiros. Ao verificar a quantidade de trabalhadores presentes à primeira reunião, os organizadores entenderam que havia o número suficiente para organizar o Sindicato dos Pedreiros (66 membros), o Sindicato dos Carpinteiros e Marceneiros (36 membros), o Sindicato dos Padeiros (33 membros). Foram então organizadas as listas para iniciar o processo de criação dos diferentes sindicatos. Encerrada a discussão do assunto, foi então deliberada a dada da próxima reunião para o dia 30 de junho de 1933, quando a comissão escolhida apresentaria a proposta de estatutos para discussão e aprovação do mesmo.

A criação de uma organização trabalhista naquele tempo ainda era alvo de reações imprevisíveis por partes dos redutos mais conservadores. Um mês após a reunião, o DOPS já estava de posse de cópias da primeira ata e do estatuto da nova organização. Tinha entrado em ação o delegado que justifica sua decisão de enviar os documentos para análise superior, destacando em seu radiograma que a criação da sociedade estava sendo mal vista na cidade por pessoas de alta representação.

Documentos da pasta 4979 do acervo do DOPS preservam traços dessa iniciativa idealizada por esse grupo de paraisenses pioneiros nos primeiros tempos do trabalhismo local. Uma análise dos estatutos da entidade permite afirmar que se tratava de um texto bem redigido, concebido em sintonia com a forma jurídica necessária para um documento dessa natureza e em sintonia com outras iniciativas análogas como foi a criação da Federação Sindical Trabalhista de São Paulo, instituição que serviu de referência para o projeto dos paraisenses.

O chefe de Polícia de Belo Horizonte respondeu a consulta feita pelo delegado, esclarecendo que a Federação estava sendo organizada com base na legislação federal. Poderia ser uma organização “mal vista” por parte de alguns políticos locais, mas acreditava-se ser aquele um novo tempo na correlação de forças entre capital e trabalho. Seis meses depois, o projeto havia avançado um pouco.

O ministro encarregado da pasta do Trabalho assinou despacho publicado no Diário Oficial da União, de 29 de dezembro de 1933, orientando os paraisenses a sistematizar a fundação dos diferentes sindicatos para dar continuidade à criação da federação. Outra fonte impressa de referência da época, o Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, edições de 1935 a 1937, faz menção ao funcionamento da Federação Trabalhista e Sindical Sul de Minas e de outras associações e entidades sociais existentes em São Sebastião do Paraíso.

Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016
Obs. Esta crônica é um capítulo do livro do autor "História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 - 1964)".