Aliança Nacional Libertadora
 
Luiz Carlos Pais
 
Desde os meados da década de 1930, quando ocorreram as primeiras rebeliões de militares insurgentes em quarteis do Rio de Janeiro, no contexto da Intentona Comunista, há registros de agitações no Sul de Minas, motivadas por questões ideológicas, políticas e disputas fronteiriças. Trabalhos de pesquisa histórica evidenciam a importância estratégica dessa vasta região que suscitou disputas desde os tempos coloniais. Durante o período imperial, políticos da região, baseados na cidade de Campanha, tentaram criar o que pretendia ser a “Província Sul de Minas” e várias outras provocações separatistas ocorrem na região.

Em função dos objetivos fixados neste texto nosso olhar estará voltado para uma parte delimitada desse vasto território que é o sudoeste mineiro onde se localiza São Sebastião do Paraíso. O período fixado é formado pelas três décadas que antecederam aos conflitos de 1964, no qual são destacados eventos situados na interface da história regional e nacional.


Embora os centros de difusão ideológica estivessem bem distantes do importante pólo cafeeiro, os ideais propagados na capital se alastraram como rastilho de pólvora pelo interior de Minas. Nos meados da década de 1930, as consequências da grande crise econômica compunham um quadro nada animador. Anos depois, o início da Segunda Guerra Mundial trouxe ainda mais desalento para o futuro do país.

Diferentes frentes políticas e sociais brasileiras se uniram para combater os redutos conservadores da Velha República. Esta frente era formada por comunistas, socialistas, trabalhistas, tenentes, entre outros grupos sociais. Nesse clima de confronto foi organizada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), cujos principais opositores eram os adeptos da Ação Integralista Brasileira (AIB), simpáticos à ideologia nazi-fascista, que naquele momento estava em franca expansão na Europa.


Nesse contexto de acirradas disputas ideológicas o sudoeste mineiro presenciou a difusão de vários núcleos integralistas e comunistas. Existe uma vasta documentação disponível no Arquivo Público Mineiro (APM) que comprovam traços da presença dessas duas instituições, ANL e AIB, não somente em São Sebastião do Paraíso como em outras cidades do sudoeste mineiro. Essas fontes primárias revelam que o pequeno grupo de integralistas paraisenses foi formado a partir de contatos oriundos de São Tomás de Aquino, que por sua vez estava associado ao grupo de Cássia.

Foi nesse clima de incerteza e de insegurança que transcendia os limites regionais que o delegado de São Sebastião do Paraíso enviou radiograma ao chefe da polícia da capital, comunicando que não sabia da existência de núcleos extremistas na cidade. Entretanto, atento ao cumprimento de seus deveres, o delegado informou ao seu superior hierárquico que estava no encalço de indivíduos que haviam distribuído na cidade alguns boletins de propaganda das ideologias da ANL.

As investigações feitas pelo delegado local davam conta que os boletins foram distribuídos por indivíduos provavelmente vindos de Ribeirão Preto, onde havia um núcleo daquela organização política. De fato, para tentar ampliar as bases da pretendida revolução, surgiram grupos de apoio ao movimento que reunia comunistas, socialistas, trabalhistas, sindicalistas, entre outros opositores das oligarquias políticas que dominaram as primeiras décadas do período republicano.
Dos principais centros de difusão do movimento, em pouco tempo, os ideais da organização chegaram a Ribeirão Preto. As lideranças dessa cidade paulista tentaram então fundar um diretório da ANL em São Sebastião do Paraíso. Alguns dos comunistas paraisenses que nasceram ainda na primeira década do século XX, antes da instalação do comitê local do PCB, em 1946, foram acusados de pertencer à ANL, conforme consta em fichas hoje disponibilizadas no acervo do extinto DOPS.

A pasta 4978 deste acervo reúne 67 documentos, de 1935 a 1962, que permitem rastrear traços da história recente de São Sebastião do Paraíso, tanto no sentido dos eventos locais como no cenário mais amplo do país. Entre outros assuntos, esta pasta contém documentos relacionados à difusão dos ideais defendidos pela ALN. Em julho de 1935, foi recolhido pelo delegado o boletim reproduzido nas próximas páginas, conclamando os paraisenses a fundarem na cidade um núcleo da organização. Mas, esse episódio localizado não é suficiente para produzir um fato histórico. O desafio consiste em avaliar a distância que separava os conflitos ocorridos nos principais centros e os labirintos mais sinuosos do interior.
Nesse sentido, um radiograma policial da capital questionava o delegado de Paraíso se haveria na cidade núcleo da ANL. Queriam saber se estaria circulando pela cidade algum indivíduo estranho que pudesse estar difundindo a ideologia da organização. Até que ponto a preocupação se justificaria? Por muito tempo, predominou uma visão meio distorcida de que a região, em épocas remotas, era rota de circulação entre o Sul de Minas, o Triângulo Mineiro e daí para os vastos sertões de Goiás.

Mas entre o traço formal encontrado no documento e a realidade há uma enorme distância que necessidade ser pesquisada. Todo esse retorno é feito sob o balizamento da questão principal que consiste em conhecer as lições que somente o tempo histórico pode proporcionar. Por esse motivo, não se trata de fazer análise conjuntural dos acontecimentos políticos e militares daquele momento da história do país. Finalmente, como dissemos a motivação para escrever este livro é registrar a memória desses cidadãos que não se omitiram naqueles dias obscuros em expor suas ideias políticas em favor de um futuro melhor para o país.