Prefácio da História Recente

 Luiz Carlos Pais
 
Este livro foi escrito para recolher traços e memórias esparsas da história recente de São Sebastião do Paraíso, minha terra natal e tradicional pólo regional da cafeicultura do Sudoeste de Minas. As raízes históricas da cidade remontam aos últimos dias do período colonial e envolvem diferentes e ricas vertentes que marcaram a trajetória de vida de seus moradores de outrora. Muitos eventos singulares podem ser focalizados neste cenário fronteiriço com as atuais terras paulistas da mesorregião de Ribeirão Preto, pelo qual é possível entender parte da história mais ampla do país. O retorno a esse território da nossa infância coletiva permite entender fatos que contribuíram para inserir a cidade no panorama político e econômico do país.

Os episódios abordados no texto pertencem ao período que se inicia em 1930 e finaliza nos meados da década de 1960, quando a cidade começou a vivenciar uma nova fase de sua história, como se buscasse galgar um novo patamar de expansão econômica, política e social, em sintonia com os desafios contemporâneos. A definição desse período pretende abordar os episódios locais do golpe político e militar de 1964, quando quinze paraisenses, honrados e conhecidos trabalhadores da sociedade local, foram presos, no dia 9 de abril daquele ano, e levados para presídios de Belo Horizonte, onde permaneceram por dez dias.

Alguns foram liberados sem maiores consequências imediatas no que diz respeito à justiça militar, mas tiveram seus nomes inscritos nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (DOPS). Outros foram indiciados em inquéritos que ocorrem nos meses subsequentes à obtenção da liberdade provisória, resultando em nove absolvições oficiais. Três anos depois, os dois únicos condenados tiveram suas penas anuladas no Supremo Tribunal Militar. Quem são os conterrâneos que vivenciaram a história de 1964? Como ocorrem as detenções? O que dizem os inquéritos? Quais são as raízes históricas que motivaram esses eventos?

Proponho um retorno a essas questões que pertencem hoje ao campo da história por entender que é fundamental solidificar uma leitura voltada exclusivamente para reconciliação nacional. Entendo que a superação dos desafios atuais exige liberdade de espírito para conhecer nossa própria história sem recair na ilusão de tentar reescrevê-la em favor de nossas possíveis diferenças e atropelando a liberdade de escolha de cada um.

Passados os meses mais tensos desse evento singular da nossa história, sem subestimar as implicações existenciais vivenciadas por cada um dos nossos conterrâneos detidos e também por seus familiares, acredito ser preciso buscar essa disponibilidade para retornar ao passado não muito distante de nossas vidas. Com esse sentimento, proponho uma releitura feita no estrito plano da reconciliação com nossas próprias raízes, a partir do que pude recolher em minhas lembranças, nos depoimentos dos que contribuíram com esse projeto e nos documentos reproduzidos para amenizar a subjetividade com que os fatos são narrados. Acredito que os motivos para fazer esse retorno possam ser compartilhados com as pessoas que querem entender parte da nossa história.

Ao indagar pelas consequências das prisões vivenciadas pelos paraisenses e dos inquéritos que alguns deles responderam quero destacar a dimensão existencial que a vida oportuniza a cada momento. O registro desses eventos foi possível graças à contribuição de vários dos meus conterrâneos que contribuíram para relembrar traços da memória coletiva. Uma rica fonte para a escrita da história ainda está presente na memória de muitos paraisenses que vivenciaram aqueles momentos de 1964. Nesse sentido, expresso meus agradecimentos a todos que ajudaram a recuperar detalhes preciosos que estão inseridos na composição dessa história pontual.

Faço um agradecimento especial ao ilustre advogado paraisense Dr. Vilobaldo Gil, que generosamente cuidou de uma solicitação pessoal de minha parte para resgatar, no centenário arquivo do fórum da Comarca de São Sebastião do Paraíso, a íntegra do processo judicial respondido pelo meu saudoso pai, o poeta e sapateiro José Paes, em setembro de 1951, quando ele foi detido pela primeira vez. Falecido em 2011, às vésperas de completar 90 anos de vida dedicada ao trabalho, à poesia e aos ideais por um país mais justo e equilibrado. Por ter sido membro fundador do comitê local do Partido Comunista do Brasil, nos idos de 1946, e exercido a função de secretário dessa legenda política, seu nome ficou inscrito nos arquivos do DOPS, levando a sua segunda experiência como preso político de 1964. Nessa ocasião ele foi submetido a um inquérito presidido pelo nosso conterrâneo então 1º Tenente Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido hoje no cenário nacional como “Major Curió”. Também tive acesso a esse processo no qual o meu pai também fora absolvido, como ocorreu treze anos antes. Por isso, convido aos leitores interessados a compartilhar comigo esse retorno pelo estrito caminho da história.

Finalmente, agradeço aos amigos dos tempos de colégio José Carlos, João Batista Mião e Nilton Calixto Dias que leram a primeira versão do texto e deram sugestões para tornar a redação mais clara, bem como participaram de longas e boas conversas para relembrar a cidade da nossa juventude. Agradeço ainda as leituras atenciosas feitas na versão original do texto por minhas irmãs Joster Mara, Marene, Margarida e pelos meus irmãos José Vicente, Evandro que contribuíram com sugestões valiosas para reconstituir a trajetória vivenciada pelo nosso pai. Recebi uma importante contribuição do meu irmão jornalista Adriano Lizarelli que, com sua experiência profissional, ponderou aspectos para tornar o registro textual mais preciso e fiel aos fatos abordados.
 

[1] Este texto prefacia o livro e minha autoria História Recente de São Sebastião do Paraíso (1933 – 1964), de minha própria edição, publicado em Campo Grande. 2015.

Campo Grande, MS, 24 de Janeiro de 2016