UM ANJO ENTRE NÓS

Eu o conheci quando por aqui apareceu há sete meses. Durante esse tempo, todos de casa criaram um laço muito forte com ele, não o deixavam quieto, causavam até ciúmes nos demais jacentes; em mim mesmo, algumas vezes, com aquela atenção esmerada.

Na verdade, depois todos nós despertamos um sentimento de amor e carinho muito forte, a ponto de esse sentimento se difundir em toda a casa, como uma espécie de vírus que afetou a todos.

As intrigas, as confusões que reinavam por aqui não já não se viam mais, como se houvesse um respeito mútuo em reverência à sua presença. À exceção dos momentos em que ele se encontrava dormindo, difícil seria outros em que o víamos sozinho; estava sempre rodeado, recebendo mimos e afetos. As conversas com ele se prolongavam; minhas irmãs apaixonadas, cada uma disputando sua atenção, falando por ele, inventando e reinventando sua fala. E ele, imerso naquele mar de carinho estava longe de se irritar, mas também se mantinha quase indiferente àqueles exageros afetivos. Com o passar do tempo passou a esboçar um sorriso.

O problema mesmo é que no íntimo de cada um de nós havia um sentimento dolorido, talvez, por isso toda aquela nossa dedicação. Sabíamos da sua futura partida, coisa que dentro de poucos meses acabou chegando.

A casa entrou num silêncio mórbido depois. Nos olhares, uma nostalgia profunda misturada às lágrimas que resistiam não rolar rosto abaixo, fingindo uma força sobre humana. Mas essas lágrimas estancadas encontrava sorrateiramente uma saída nas vozes que se estagnavam na garganta, e depois saíam úmidas, como que esfaceladas.

O silêncio pesaroso em casa, as lembranças do riso ingênuo são vivas na memória desse lar e de cada um de seus habitantes, agora circunspectos e moribundos. Eu mesmo não supunha a tamanha falta que ele faria. Dizem que quanto maior a saudade, mais intenso o tempo vivido juntos. Não discordo. Do tempo que aqui passamos, aproveitamos cada segundo. Recompor-nos-emos, mas a casa há de voltar a seu ramerrão enfadonho de outrora.

Hoje, olhando o seu quarto, o lugar onde ele se deitava com seu cheiro fresco e suave, meu peito se contraiu; deparei-me com sua chupeta e seu chocalho azul. Azul como a porta da sua eterna morada.

Daniel Pereira S
Enviado por Daniel Pereira S em 23/01/2016
Código do texto: T5520409
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