Loja Maçônica Pioneira
Luiz Carlos Pais
A primeira loja maçônica de São Sebastião do Paraíso, denominada Estrella do Sul de Minas, foi organizada em 1872, seis meses depois da instalação da sede do município. No ano anterior, havia sido criada, em Passos, a Beneficência. São eventos relevantes na história regional, pois o núcleo de Ouro Preto, então capital da província, tinha sido fundado apenas três anos antes. Tais registros mostram a presença pioneira da instituição maçônica na região num período marcante da história brasileira, quando começava a difusão dos ideais republicanos e abolicionistas. Partindo desse pressuposto, o objetivo deste artigo é registrar a participação de cidadãos paraisenses em questões cuja importância ultrapassa os limites da região.
A instalação da primeira loja maçônica paraisense ocorreu num momento diferenciado da história local, decorrente da elevação da localidade à categoria de vila, que passou a ser a sede do antigo município até então existente em Jacuí. Em 13 de setembro de 1870, foi promulgada a lei 1641, aprovando a transferência de município e a instalação ocorreu a 18 de agosto de 1871. Nesse momento, o arquivo da municipalidade já havia sido transportado para a nova sede e a cerimônia de instalação contou a presença dos vereadores: João Cândido Marques Alkimin, Eugênio Ribeiro Leite, José Bento Soares, quando o cargo de presidente da Câmara Municipal era exercido pelo capitão José Aureliano de Paiva Coutinho, equivalente ao atual prefeito. A reunião contou com a presença dos vereadores suplentes Emygdio Pimenta Neves e Antonio Joaquim da Costa e do secretário da câmara, coronel João Batista Teixeira.
Alguns cidadãos viram novas oportunidades no episódio da transferência da sede do município, enquanto outros, descontentes, se recusaram em deixar a histórica Jacuí. O sucesso obtido pelos primeiros cafeicultores locais sinalizava dias melhores. Pouco tempo depois, a vila foi elevada à categoria de cidade. Os moradores pressentiam ser aquele um momento de desenvolvimento diante das novas condições econômicas e políticas. De fato, depois de meio século da fundação do arraial, a década de 1870 marcou o início de um novo período na história local. Porém, no cenário mais amplo do país, este foi o início da decadência do Segundo Império.
O clima político na corte era tenso. Foi o período crítico da Questão Religiosa, o mais grave conflito que existiu entre a Igreja e o Império. Dois bispos foram presos, um paraense e outro pernambucano. Eles entraram em conflito com ministros do gabinete imperial. O caso chegou ao conhecimento do Papa que ameaçou o Imperador. Alguns historiadores consideram esse episódio o início da queda da monarquia, agravada pela de difusão das ideias republicanas e abolicionistas.
O boletim maçônico de julho de 1872 divulgou que o principal projeto daquele momento era a redação da constituição para regulamentar o movimento maçônico brasileiro quanto às relações entre os dois grupos, visando não modificar os princípios, costumes e regras da instituição. Uma comissão estava trabalhando nesse sentido, querendo introduzir reformas para estabelecer certa igualdade entre os diversos ritos, segundo as leis e tradições. O redator expressa a esperança que a comissão obtivesse o consenso entre os membros dos dois grupos que formavam o então chamado Grande Oriente Unido e Supremo do Brasil (GOU). Há ainda o reconhecimento de que alcançar a harmonia total entre os dois grupos seria difícil, naquele momento, porque a comissão teria feito concessões mútuas, visando o exercício da tolerância para manter a união da ordem. Foi nesse momento que a Estrella do Sul de Minas foi organizada, assim como a Redempção do Rio de Janeiro, sendo o evento amplamente noticiado na imprensa da capital.
Em consequência de dificuldades ocorridas no início da década de 1870, coexistiram três Grandes Orientes, denominados: Lavradio, Beneditinos e Unido do Brasil, conforme consta no boletim de 1873. Foi nesse quadro que os maçons paraisenses se organizaram para fundar a Estrella Sul de Minas. O desafio inicial foi então obter a carta de instalação da loja. Este documento foi então concedido pelo GOU do Rio de Janeiro. Os documentos indicam que tal autorização resultou de discussões e análises ocorridas em sessões dos dias 3 de julho e 1º de agosto de 1872. Nessas mesmas reuniões foram autorizadas as instalações de três lojas. Uma delas foi a Redempção, do rito adonhiramita, no Rio de Janeiro; e outras duas seguidoras do rito escocês: a Estrella de Minas, em Sacramento e a Estrella do Sul de Minas, em Paraíso. São informações que constam na edição 02-03 do Boletim de 1873, página 150.
Diante da dissidência liderada pelo Visconde de Rio Branco, presidente do Conselho de Ministro do Império e por outros maçons aliados da vertente mais conservadora, os paraisenses da Estrella do Sul de Minas optaram por uma posição conciliadora, seguindo a orientação de que a virtude está no ponto de equilíbrio. Naquele momento, eles entenderam que a posição de equilíbrio seria a filiação ao Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. Durante certo tempo, essa congregação de lojas conviveu com outras duas: Grande Oriente do Brasil do Lavradio e Grande Oriente do Brasil dos Beneditinos. A coexistência consta nos documentos de 1873. De uma lista de 122 lojas existentes na época, 40 estavam associadas ao Grande Oriente Unido, 31 ao Grande Oriente do Lavradio e 51 ao Grande Oriente dos Beneditinos.
Os relatórios analisados permitem reconstituir dados sobre a primeira diretoria da Estrella Sul de Minas. O venerável mestre da loja era o capitão José Aureliano de Paiva Coutinho; que exercia na época a presidência da Câmara Municipal, cargo correspondente ao atual prefeito Duas décadas depois, no início do período republicano, o capitão Aureliano voltou a ocupar o mesmo cargo. Feliciano Augusto Fernandes de Mesquita assumiu o cargo de primeiro vigilante, Pedro Moscagne, o de segundo. Firmiano Otaviano Ferreira Braga era o orador do grupo; João Antonio de Almeida, o secretário; e Joaquim Antonio Proença assumiu a tesouraria. Foram esses seis maçons pioneiros que assinaram documento de 18 de janeiro de 1873, expressando a posição da loja diante de um episódio marcante da instituição, que foi a dissidência que envolveu Visconde do Rio Branco. Dada a importância desse documento para entender a história, optamos por transcrevê-lo abaixo:
“A loja Estrella do Sul de Minas, de São Sebastião do Paraíso, província de Minas Gerais, em sessão de hoje, depois de bem discutir e refletidamente pensar o ato da dissidência do irmão Visconde do Rio Branco e de outros que o acompanharam e que constituem atualmente o denominado Grande Oriente do Brasil ao vale do Lavradio, lamentando esse fato tão extraordinário e prejudicial à instituição maçônica, deliberou unanimemente reconhecer como único corpo legítimo e legal neste Império o Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil, ao qual protesta prestar obediência e inteira adesão.” (Boletim do GOU. Ed 02 – 03, 1873).
O documento subscrito pelos paraisenses foi inserido na pauta da sessão ordinária realizada no dia 20 de Março de 1873. Essa divisão momentânea da instituição estava sob a presidência do sapientíssimo grão mestre conselheiro Saldanha Marinho, que meses antes havia vencido uma eleição disputada com o Rio Branco. Ficou registrado para a história que o documento oriundo dos paraisenses foi considerado e registrado em ata daquela reunião que teve por meta preparar a assembléia constituinte da instituição prevista pelo decreto número 5, de 30 de Setembro de 1872. (Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. Ed. 02–03 de 1873, página 131)
Joaquim Antônio Proença, tesoureiro da Estrella Sul de Minas, era funcionário da justiça do termo de São Sebastião do Paraíso, como titular dos ofícios de distribuidor e contador. Essa informação consta em edital de 20 de janeiro de 1888, assinado pelo então juiz municipal doutor Cláudio Herculano Duarte que posteriormente ocupou o cargo de primeiro juiz de direito da comarca de Paraíso criada logo no início do período republicano, em 1892. O referido edital, publicado no jornal “A União”, impresso em Ouro Preto, em 8 de fevereiro de 1888, encontra-se disponível na Biblioteca Nacional. Redigido pelo então titular do tabelião do primeiro ofício José Luiz Campos do Amaral Junior, este edital tinha por objeto anunciar vago o cargo ocupado por Joaquim Antônio Proença que havia falecido. Além de serventuário da justiça, Joaquim Proença também exercia atividade comercial, como consta no Almanach Sul Mineiro, de 1874. Foi também vereador de 1881 a 1883.
Os paraisenses se posicionam em relação à Questão Religiosa ocorrida entre 1872 e 1875 na qual se colocaram em campos opostos a Igreja Católica e a Maçonaria, resultando em uma crise de Estado. Dom Vital Maria foi nomeado bispo de Olinda, em 1871, quando tinha 26 anos e com apenas três de experiência sacerdotal. Um ano depois recebeu a ordenação episcopal e foi preso em 1875 por ordem de Rio Branco.
“A loja Estrella do Sul de Minas, ao Oriente de São Sebastião do Paraizo, província de Minas Gerais, possuída dos sentimentos que religiosamente ligam a família maçônica, deliberou em sessão de 3 do corrente mês, recorrer ao Grande Oriente Unido do Brasil, afim de por seu intermédio manifestar aos distintos e intrépidos maçons da província de Pernambuco, o elevado júbilo de que se acha possuída, pela coragem e sangue frio com que se tem os mesmos mostrado na guerra que lhes faz o bispo dessa província, e medidas enérgicas empregadas contra os seus desvarios. Esta Loja congratula-se com a maçonaria em geral, pelas provas, que por tantas vezes tem dado da lealdade, união e fraternidade, que sabem compreender os deveres fraternais, mostrando ao mundo, que em suas veias circula o sangue maçônico, demonstrando por mais esta vez que um só aceno dos nossos irmãos daquele ponto repercutiu por todos os ângulos deste vasto império do Cruzeiro, enchendo-nos de indignação contra os desmandos e desatinos de Dom Vital, bispo daquela diocese. Este prelado, revestido das insígnias de príncipe da igreja de Cristo, longe de conhecer os religiosos deveres impostos pelo Filho de Deus, deveres todos de amor e caridade, tem impiamente pisado esses tão santos preceitos, transformando-se em soldado da antiga e proscrita família de Loyola, desrespeitando até as leis do Império e os direitos do cidadão, praticando violências monstruosas, filhas da idade média, contra esta tão santa e sublime instituição, que só contem em seio amor e caridade. Esta loja, pois, submissamente felicita ao Grande Oriente Unido do Brasil e às demais lojas, assim como aos grandes e ilustres irmãos maçons que se acham com assento no parlamento brasileiro, que encarando com indiferença as infundadas maldições da cúria romana, com intrepidez e energia acudiram ao justo reclamo dos dignos irmãos flagelados por Dom Vital, aguerrido soldado do ultramontanismo. E ao terminar esta, faz votos ao Supremo e Grande Arquiteto do Universo para que guarde, ilumine e conceda à família maçônica força e resignação afim de heroicamente repetir esses entes que, envoltos na negra capa da hipocrisia, só almejam entenebrecer o século XIX para assim dominar o mundo e os homens. Traçada no Oriente de São Sebastião do Paraíso, aos 10 de maio de 1873. Era Vulgar. (Boletim do GOU do Brasil. Ed. 04–06 de 1873)
O venerável da Loja Beneficência, de Passos, congregando 65 membros, era Manuel Narciso Ferreira de Brito, enquanto o secretário era Felisberto José da Fonseca. A Loja Estrella Sul de Minas contava com 46 membros. Esses números são expressivos, quando comparados às duas maiores lojas mineiras da época, de Uberaba e de Juiz de Fora, que contavam com cerca de 70 membros, enquanto a loja da capital da província, Ouro Preto, contava com 43 membros. Mas, ao finalizar este texto, cumpre observar que escrita da história não depende do empenho isolado de um único autor por mais transparente que tenha sido sua pesquisa. Sem pretensão alguma de reivindicar verdades absolutas, este trabalho permite destacar um momento especial da história política e social de São Sebastião do Paraíso. Foi possível ainda mostrar o empenho de um grupo pioneiro de maçons locais que não recusaram ao compromisso de participar de grandes embates do seu tempo. Outros retornos se fazem necessários para aproximar um pouco mais da realidade da realidade vivenciada pelos personagens da nossa história. Uma das consequência desse pressuposto é mostrar as fontes usadas para recolher fragmentos das últimas décadas do século XIX. Os dados usados na redação deste artigo foram extraídos da coleção do boletim do Grande Oriente Unido do Brasil, publicado entre 1871 a 1899, disponíveis no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Trata-se de uma publicação identificada como órgão oficial do movimento maçônico brasileiro, ponderando-se ser de um período de agitações internas no seio da própria instituição devido às divergências surgidas na decadência do Império, na polêmica Questão Religiosa, no fim da escravidão e da ascensão dos ideais republicanos. Foi nesse contexto histórico que podemos, hoje, recompor traços históricos da Loja Maçônica Estrella Sul de Minas, que pode ter existido por cerca de duas décadas, bem como de outros núcleos da mesma organização que atuaram no interior de Minas Gerais, nas últimas duas décadas que precederam o período republicano. Finalizando, dez anos depois do início do período republicano, alguns dos maçons pioneiros de São Sebastião do Paraíso iniciam outro projeto de longa duração que foi a fundação da, hoje, centenária Loja Fraternidade Universal, patrimônio institucional da cidade.
Campo Grande, MS, 22 de Janeiro de 2016