Assim ou...nem tanto 28
Do sofrimento
“ Existem noites em que os lobos ficam em silêncio e apenas a Lua uiva”, escreveu George Carlin. Muitas vezes também senti que a Lua uivava. Era um gritar surdo, que entrava pelo peito e o deixava apertado, como se uma ave que nos representasse assim sofresse cadeia, tortura, ausência e silêncio. O uivar dos lobos enche a noite de respeitoso temor mas é o uivar da Lua que intensifica a dor pela qual sangramos a solidão e o abandono. Isto me dizem todas as figuras que Francis Bacon pintou, todos os rostos que retratou, todas as bocas escancaradas que, em silêncio, ainda expulsam gritos guardados. Estava o uivo nele, gente pequena atropelada de feiura, de ostracismo, de caminhar ínvio por onde Londres melhor se escondia para celebrar, na contra mão de todos os rigores e a leste de todas as virtudes, o lado denso de amores malditos. O silêncio, disse-o depois da décima caneca de cerveja, é a virtude dos loucos. E de loucos se rodeava, aos loucos amava, aos loucos pedia o corpo e a pose. Ser louco, muitas vezes é só um jeito de fugir à razão cortante. Quantos nesta fuga dementada, se amarram a pedras vivas, toscas, imóveis, caladas? E correm ficando, riem por fora o uivo que os amarrota por dentro e até dançam todas as ilusões mortas, todos os tédios, todas as normas onde só podem fingir fidelidade. Há noites em que os lobos se calam para que a Lua uive, na sua luz de prata, o nosso desespero.