A casa e a menina

A menina era muito pequena para morar numa casa tão grande. As altas paredes deixavam o teto tão longe do olhar, que o teto mais parecia um ponto escuro, quase a perder de vista. Um dia descobriu que iam mudar de casa. As roupas saiam dos armários, e enchiam caixas e mais caixas. “Oba”, a menina pensou, imaginando iam morar numa casa menor, onde ficariam juntos, porque naquela casa enorme papai, mamãe e ela se espalhavam quase nunca se encontrando. Parados na rua dois caminhões. Só descobriu que papai não ia morar com elas quando um caminhão virou à esquerda, e o outro à direita. Naquela hora a vida da menina se partiu ao meio. Metade seguiu o pai, a outra ficou com a mãe.

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Os pais brigavam muito e não podiam se encontrar. Quando o pai vinha buscá-la no fim de semana, a menina saía correndo de casa e entrava no carro que dava a partida, rangendo os pneus _ zumzumzumzum. A menina se encolhia no banco, o coração disparado tumtumtum. Ela e o pai quase não conversavam. Uma semana inteira sem se encontrar e não tinha assunto. A menina queria contar do colégio. O pai ligava o rádio bem alto, e ouvia notícias. Tinha coisas boas também, quando papai lhe dava um livro, porque sabia que ela gostava de ler. Na hora da volta outro corre-corre, ela descia do carro do pai e se enfiava em casa, batendo a porta e agonizando no sofá da sala. De vez em quando mamãe ficava esperta, e os esperava na calçada. Aí era cada barraco, bate boca, até a lua e as estrelas se escondiam atrás das nuvens, envergonhadas. E a menina se espremia atrás das duas bolas vermelhas que suas bochechas ganhavam.

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Uma vez papai foi buscar a filha e não a encontrou. Chamaram e chamaram, ninguém respondeu, acharam que a menina estava na casa da vizinha e papai foi embora sem a filha, zangado. Mais tarde quando já estava escuro, mamãe a encontrou adormecida no sofá do quarto de televisão. A menina chorou porque não foi encontrada, mas sentiu certo alívio, ficava cansada naqueles fins de semana calados e aflitos.

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A menina cresceu, trabalhou, ganhou dinheiro, casou e teve um filho. Escolheu uma casa pequena para ela e sua nova família, dois quartos, um para o casal, outro para o filho. Parou de trabalhar para cuidar do bebê. Olhando o pequeno se admirava de conseguir ser mãe, cuidar do filhote, não brigar com o marido. Pelo menos, muito menos que os pais brigavam. Os fins de semana agora eram alegres, os três se divertiam, o casal morria de rir das artes do menino, e principalmente, conversava entre si. Cuidando do filhinho, a antiga menina ainda acaba de crescer. Agora precisa ser uma mulher, e tem hora fica exausta, e quer dormir naquele sofá, na frente da televisão. É quando retorna para a casa grande demais. E se sente duas metades. Uma no caminhão do pai, outra seguindo o da mãe. E tem medo de esquecer-se do filho, como a mãe que não se lembrava dela.

A terapeuta a compreende, e fala que é assim mesmo. O consultório onde se encontram tem um tamanho bom. Sentada em frente àquela mulher a menina abrange com o olhar a sala inteira. Não há televisão, nem pai nem mãe. Diante dela a mulher a escuta com o olhar. Talvez com o corpo inteiro. Cuida dela. E por incrível que pareça para ela fica mais fácil ser mãe.