NÃO SE OUVE MAIS OS CHORAMINGOS.
Dei uma carona para uma senhora, e enquanto o carro vencia a distância e enfrentava a estrada cheia de buracos enormes íamos conversando. Ou melhor, eu perguntava e ela respondia.
- Como a senhora consegue enfrentar durante tantos anos essa seca, a distância da rua, a ausência de transporte?
- Muié, a gente vai dando um jeito. O ano passado foi pió, a criação morria de fome e fraqueza. A gente gastava tudo que tinha comprandu miio pra misturá com as palma, mas os bichus sente a falta é do matu, do verdi e vai enfraquecendo e dispois não tem força nem pra levantá.
- Não sabia que eles não aceitavam comer ração- comentei.
- Tem uns qui num sei proque, num aceita não.
-Ah, que pena! E os burregos? É verdade que a ovelha rejeita e não tem quem faça ela aceitar o próprio filhote?
- é verdadi, mas num é pro maldade não. é pruque quandu ela sabe qui num vai dá conta de dois aí ela rejeita um. Si ela tiver dois, e precebê qui num tem leiti bastanti aí ela num quer saber de dois, somente de um.
- É a lei da natureza. Triste, mas é a realidade.
- E um bichito desse a gente num pode ficá cum ele, proque fica caru, suster com leite. A gente tem que dá. Pra num ver morrer.
- Vocês são fortes -olhei para aquela mulher mais nova do que eu, mas que aparentava ser uma anciã.
- Olhe dona, a gente fica poraqui proque sei lá, tá nu sangue , mas graças ao bom Deus que agora com essas chuvas os matinhos apareceram e o churamingos num se ouvi mai. Proque... é de cortá o coração - ela concluiu seu comentário quase sussurrando.
Uma viagem que era para estender-se por quarenta quilômetros, passou para cento e cinquenta.Após muitas voltas, pois o carro pequeno não vencia as crateras que estavam na estrada, mas valeu a pena. Aprendi tanta coisa. Ela foi meu GPS. Conheci vielas,recantos, nomes de árvores, encontrei animais que estão na lista de extinção, vi famílias paupérrimas que sobrevivem de maneira além do imaginável.
Quando voltei, pude virar uma página da vida reconhecendo que a aprendizagem é contínua e está ao nosso alcance, não a recebe quem não quer.
21/01/16
Ione Sak